sábado, 21 de maio de 2011

A Mulher Revoltada, o espetáculo



Xico Sá, o antibrasilianista do jornalismo nativo, estréia no teatro pelas mãos de Fernando Yamamoto e convidados dos Clowns. Estreia foi esta semana em Brasília

Morreu o último macho canalha sobre a face da terra. Sem ele, tudo o que restou foi uma matilha arrumadinha de metrossexuais aloprados. É mais ou menos este o ponto de partida de “A Mulher Revoltada”, o primeiro texto para teatro do multimídia cearense-pernambucano-paulista-brasileiro-assumido Xico Sá. Dito assim, “o primeiro texto”, soa com a solenidade nem um pouco adequada ao universo paralelo desse fornicador de palavras que vive de traduzir o Brasil de verdade, verde e rosa, Fernando Mendes e Ben Jor, blindex com sarjeta, para o veículo que aparecer – livro, paródia de livro, blogue, site que ressuscita antigos hebdomadários e, agora, por que não, teatro.

Pelo que se deduz das entrevistas publicadas no site do Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília e reproduzidas pelo SOPÃO aqui, é texto de encomenda, para esse projeto sobre novos dramaturgos que está em cartaz desde a semana passada na capital do país. “A Mulher Revoltada” caiu nas mãos do encenador Fernando Yamamoto, o cara dos Clowns de Shakespeare, o grupo potiguar que projeta o teatro feito no RN pelo país afora. Os atores são Titina e Paula, Joel e Dudu – que o público já conhece como convidados dos Clowns. E o resultado – bem o resultado Xico Sá deixou a critério de Yamamoto, que repartiu o texto em esquetes quase autônomos e colou tudo
com uma iconografia cênica e sonora de certo mundo bem abaixo da Classe C. Um cult brega de muito bom gosto, marcado a giz no chão, levado em embalo de boleros e Nalva Aguiar e embrulhado em papel de jornal popular – que os personagens vêm todos das redações reais ou imaginárias por onde Xico Sá passou, passa ou vai passar.

O resultado é um caleidoscópio de situações, frases e antirreflexões que misturam Pimenta Neves com Matinas Suzuki, Tarso de Castro com Sandra Anemberg – todos, naturalmente, entortados, distendidos, repuxados pelo botox do teatro vivo que distorce para melhor espelhar. A estréia oficial foi na quinta-feira, mas como Paulinha teve problemas de saúde, Titina ficou só em cena com os dois marmanjos em crise, no que o espetáculo teve que ser refeito em questão de horas. Na sexta, afinou-se esta versão alternativa (e, em se tratando do caos necessário do pensamento de um Xico Sá, é de se pensar que imprevistos assim talvez tornem a coisa até mais interessante, por menos demarcada como se viu na estréia de fato, chego lá). Ontem, finalmente, o elenco completo, Titina e Paula dividindo o escracho da mesma personagem, a dita mulher revoltada que cutuca as varas desnorteadas dos machos em cena, deu-se a estreia de fato. Se a platéia do CCBB-BSB ajudasse, teria rendido mais: enquanto assisto, imagino que link pode haver entre aquele brasilzão pop-nordestino-reieira do texto e aquele público de classe média de plástico entupida de bom gosto fabricado. Mas isso é outra história.

Bom vai ser quando chegar a Natal, Recife, Salvador e mesmo Rio de Janeiro. Chega já – aguarde aí que o projeto vai andar. E todo mundo vai poder tirar um sarro junto com Xico Sá e Yamamoto da dançinha do macho cornofóbico da qual Joel/Pereira se desvencilha muito bem, dublando mambo como se fora uma Ângela Guadanin comemorando sem pudor a própria e ridícula queda. Ou o momento em que Paula e Titina quase fazem sexo explícito com o canalha morto e falante via um monitor de tevê algo anos 80, meio Wim Wenders meio Boneca Suzi da TV Tupi Recife, que deus a tenha – as duas. Ou ainda curtir a barbicha metrô que Dudu cultiva em imagem e metáfora durante todo o espetáculo, nossa vingança contra a estupidez bem-pensante que ilustra grande parte do jornalismo cultural em voga.

“A Mulher Revoltada”, que traz de volta ao palco aquele clima de botequim que os Clowns mostravam em “Roda Chico”, é também um semimusical – se é que isso ainda não ficou claro até agora. Deve muito àquele espetáculo de sucesso – e pode tirar ainda mais dessa herança: um pouco mais do ritmo frenético que ele tinha e não faria mal à recriação no palco do estilo Xico Sá de realizar a crônica de um Brasil revirado sobre si mesmo. Neste ponto, os esquetes truncam um pouco. Mas o espetáculo que vi ainda é – como se diz? – uma “obra em progresso”. Ou “buraqueira em atraso” como seria mais apropriado quando a gente está falando de Xico Sá e da boa bagunça cênica que sua nova investida pode proporcionar para o bem de platéias bem mais quentes do que a do inverno local.

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