terça-feira, 30 de outubro de 2007

Um estranho no ninho




Por falar em metalinguagem (vide o post "Jô, Ian, eu e o cinema"), vocês já viram o filme aí ao lado? "Mais estranho que a ficção" brinca com o exercício da criação, promovendo um inusitado encontro entre um personagem e seu escritor.

Will Ferrell reaparece com aquela cara de nada que já emprestou a títulos como "Melinda e Melinda" e comédias menos recomendáveis, como "O Âncora ", uma quase escatológica anti-reflexão sobre o mundo da mídia eletrônica. Cito só pra dar a circunstância - fiquem certos de que não dá nem pra comparar com esse "Mais estranho".

O exercício metalinguístico começa de uma maneira até banal, com o personagem percebendo que há uma voz em off narrando tudo o que ele faz, tudo o que ele pensa. É uma crítica até já gasta ao uso da narração em off no cinema - por sinal um recurso que, de tão combatido, às vezes passa por injustiçado. A questão não é usar ou não usar - mas saber utilizar. Mas, vocês sabem, chega um "Tropa de elite" e desmoraliza completamente esse instrumento que Ridley Scott tentou, tentou e não conseguiu banir da montagem original de "Blade Runner" (somente numa versão recente, editada para DVD, o diretor conseguiu seu objetivo).

Mas esse "Mais estranho que a ficção" vai além: ele não é só uma brincadeira metalinguística inconseqüente sobre formatos cinematográficos e técnicas desgastadas. O filminho realmente promove, na sua discreta falta de pretensão, o encontro do personagem com o escritor e extrai disso um drama sensível e poético - por vezes, poderoso. Para quem não viu o filme ou não se interessou até aqui:

1) A escritora é...Emma Thompson, que volta ao cinema depois de um período de ausência (lamentável) e exibe o talento e o carisma de sempre. Sempre quer dizer aqueles filmes do início dos ano 90, em que ela estava sempre admirável, como "Vestígios do dia", quanta saudade.

2) Pois a escritora Thompson é conhecida por matar todos os seus protagonistas e o personagem Farrell logo toma conhecimento dessa informação.

3) Agora, Will Farell precisa desesperadamente encontrar Emma Thompson para ver o que é possível fazer. Então...

...4) Salvar o quê? A vida do personagem Farrell, que existe de fato (nessa "dobra metalinguística e surreal" que confere toda graça e coerência ao filme), ou a qualidade do romance que Thompson está tentando conseguir acabar de escrever?

O ítem cinco vai por extenso, para não arrancar do desfecho da postagem o impasse pretendido: tudo isso é contando em imagens caprichadas que não têm vergonha de se deter, à medida em que o filme se encaminha para o final, de maneira a dar um tempo mínimo ao personagem angustiado, à escritora atormentada e ao espectador ansioso, porém instigado.

"Mais estranho que a ficção" saiu direto em DVD, sem passar pelos cinemas. Isso é mais um argumento em favor dele.

3 comentários:

Anônimo disse...

Esse filme passou no cinema sim, inclusive em Brasília. Eu que esperei bastante para assistir em DVD. Gostei. Gostei até do personagem do Dustin Hofman, que não é dos meus atores favoritos, que está muito bem fazendo "análise" do personagem vivo. E o detalhe é que o personagem principal inicia como um tedioso auditor da receita federal...

Marcya disse...

Ei, Tião, eu vi esse filme no cinema. Gostei muito, apesar de ter achado o final muito açucarado...
Cheguei de viagem no domingo e estou de férias até o dia 11. E a Rejane, como está? Beijos pra todos e uma recuperação boa e rápida pra ela!

Anônimo disse...

Quem mandou eu não checar a programação dos cinemas? Pensando bem, deve ser porque como quase sempre não posso ver os filmes, melhor nem saber o que está em cartaz. Ei, Roberta, na mosca: auditor, sim, e muito bem representado. Ei, Marcya, bom retorno.