Era como se a gente estivesse entrando em um cenário de um filme antigo e de época imprecisa – mas sem tropeçar em cabos, luzes e técnicos. Tudo em volta estava limpo, tanto quanto o ar no meio da praça, início da tarde quente, plataforma de paralelepípedos flutuando entre fachadas coloniais. Muitas cores, aquele sempre simpático contorno que têm as janelas de lugares como Pirenópolis ou Diamantina. Mas não era nem uma nem outra. Era Corumbá de Goiás, pequena cidade que ladeia a estrada que leva a Pirenópolis e na qual raramente o viajante apressado lembra de entrar, tal é a pressa para chegar logo ao destino consagrado. Pois que fique anotado: se entrar, corre o risco de sofrer uma espécie de feitiço visual e sensorial, e ficar por lá mesmo, bebendo o silêncio de ruas desertas e casas atemporais, e esquecer durante um final de semana que existe Pirenópolis, Goiás Velho, Brasília, Recife, Rio ou Cuiabá.
Corumbá de Goiás oculta-se cuidadosamente ao visitante – inclusive àquele que efetivamente já entrou nos seus limites e agora passeia por suas ruas, curioso por entrar em suas casas. No dia em que estivemos lá, era domingo, início de tarde como dizia. No ponto central da cidade, estávamos ali, aproveitando sombras em bancos da praça ampla e vazia, suspensa na geografia da cidade guardada em conchas. Em volta, um imenso ninguém na falta de qualquer sinal de transeuntes. Fora isso, que já era algo bem marcante, muitas cores e a harmonia quase musical composta pelas fachadas e pela ausência de sons. Ao longe, mas explodindo nas nossas vistas, o vale aberto que adorna a alvenaria do lugar. De movimento, havia, sim, alguma coisa: um casamento. Nem muito longe nem muito perto, divisamos ali dos bancos que ocupávamos, sutilmente, sorrateiramente, um vestido de noiva a sair da igreja, brancura rendada envolta em convidados, a ponto de levarmos um tempo até percebermos se tratar de uma noiva mesmo, de um casamento mesmo, de uma pequena galeria de padrinhos abrindo caminho para a passagem dos recém-casados. Mas tudo sonorizado com surdos ruídos tão sorridentes quanto distantes, como se fora um filme visto numa projeção caseira de super oito.
Suprema tontura, de porre anti-etílico de sonífero real. Viagem chã, essa proporcionada por uma inesperada visita a Corumbá, a de Goiás. Território profundo que já nos entregava a feérica natureza alucinante das pedras de Pirenópolis, além da igualmente brumosa experiência de estar em Goiás Velho – e agora temos ainda as sensações de Corumbá. Que, de quebra, ainda se permite ser literalmente lida como se fora um livro. É que pelos muros e fachadas espalham-se textos, em prosa ou poesia, de goianos que forjaram em palavras o outro ouro desses brasis perdidos. Da próxima vez, adie um pouco Pirenópolis, rememore assim-assim Goiás Velho, e entre, ancho e completamente embriagável, no território enladeirado de Corumbá. Uma vez lá, seja bem-vindo, respire a cidade e leia seus livros nela mesma, suporte urbano da lírica que a faz tão distinta.
P.S: breve, aqui, algumas fotos do lugar.
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