A primeira sessão Entreblogs do novo Sopão traz uma postagem do Seqüências Parisienses, o blogue do professor Luiz Felipe de Alencastro, cientista político e historiador que sempre tem uma observação inteligente sobre o que somos como povo e como país. Falando nele, recentemente deu entrevista para duas edições do programa Sintonia, da TV Câmara. É mais de uma hora de uma conversa instigante que você pode assistir agora mesmo, se quiser - basta procurar com paciência (que vai encontrar) no site da TV, onde se chega por meio do portal da Câmara (www.camara.gov.br). Mas vamos ao texto do Seqüências Parisienses, blogue que há tampos faz parte da lista dos links recomendados pelo Sopão.
A tara da discriminação
Escrevo de supetão depois de ler as três matérias da Folha de hoje sobre os jovens entre 16 e 18 anos que hesitam em se tornar eleitores. O TSE lançará campanha para mobilizá-los. Como declarou o presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello, “...a apatia não conduz a nada. O que nós precisamos é de perseverar e procurar a correção de rumos. E a forma de se corrigir rumos é participando ativamente, fazer uma revolução pelo voto, bem escolhendo aqueles candidatos que devem nos representar nos diversos cargos”.
Belas palavras. Mas nem o ministro, nem a propaganda do TSE, nem os jornalistas da Folha se lembraram do outro lado do problema: a Constituição deu o direito facultativo de voto aos jovens entre 16 e 18 anos, mas também aos analfabetos [art.14° § 1, a) e c), da Const.].Sucede que os últimos dados do IBGE, datando de 2005, mostram um contingente de 14,9 milhões de pessoas com 15 anos ou mais analfabetas no país. É muita gente, gente! Quando se verifica o critério da cor aparece de novo a tara da discriminação racial. Cito o relatório do IBGE “a taxa de analfabetismo de pretos (14,6%) e de pardos (15,6%) continua sendo em 2005 mais de o dobro que a de brancos (7,0%)”. Noutro post me referi ao fato que a proibição de voto dos analfabetos constituiu um fator importante de exclusão da população negra da vida política brasileira. .Ora, desde o início, a propaganda do TSE e da mídia tem procurado incitar os jovens de 16 a 18 anos incompletos a se tornarem eleitores. Mas não há notícia de propaganda similar dirigida aos analfabetos em geral, ou de medidas específicas para facilitar-lhes a obtenção do título de eleitor.
Lembro-me de uma notícia ouvida no final de 1988 ou começo de 1989, antes da primeira presidencial direta, dizendo mais ou menos isso: “ a jovem Adriana Rezek, de 16 anos, filha do ministro Francisco Rezek (então presidente do TSE), foi uma das primeiras a obter seu título de eleitora, etc...”. (a moça se chamava Adriana, mas não estou seguro se tinha 16 ou 17 anos). Lembro também da reflexão que fiz então no Cebrap, ou escrevi alhures: ‘que tal prevenir dona Maria de Tal, empregada doméstica há 40 anos, negra e analfabeta, que ela também pode ser eleitora e festejar a obtenção de seu título eleitoral’?Na época, aparecia na TV, na propaganda do TSE, um jovem surfista dizendo algo do gênero: “ e aí garotão, não vai tirar seu título eleitoral?”Nada mudou de lá para cá.
Fala-se sempre dos jovens (leia-se: jovens de classe média) que podem obter título de eleitor aos 16 anos e jamais dos analfabetos adultos que também têm este mesmo direito. O PT nunca se mexeu para mudar isso. O Movimento Negro nunca se mobilizou para mudar isso. A imprensa e a mídia deram pouca ou nenhuma notícia sobre o assunto, e os tribunais eleitorais continuam insensíveis ao tema.Não há preconceito de classe? Não há preconceito de raça no Brasil? Então tá!
Nenhum comentário:
Postar um comentário