terça-feira, 9 de outubro de 2007

Ojuara é o caralho! Meu nome agora é Zé Pequeno!

Se você não suporta mais ler avaliações sobre o filme feito com base no livro de Nei Leandro, pode pular pro blog seguinte. Eu mesmo fui assistir à versão de Ojuara do cinema já bem enjoado de tanto ter lido sobre a adaptação que Moacir de Goes e Mr. Barretão fizeram do livro. E digo mais: ainda que saturado, entrei na sala de exibição com a melhor disposição possível, certo de que minha infinita generosidade diante do cinemão daria conta de contornar pelo menos parte das críticas que o filme sofreu. Saí de casa com um espírito de "é apenas um filme, o que importa?". Mas, pelos poderes de Ojuara, bastaram uns vinte minutos de projeção para essa predisposição vir abaixo.

"O homem que desafiou o diabo" começa bem, especialmente nos dez primeiros minutos. Sugere um bom filme do catálogo de entretenimento, embutido no escaninho da comédia nordestina, sacado dos fichários onde guardamos nossos anti-heróis de estimação. Nas primeiras cenas, mostra logo uma cor saturada que aspira o realismo e joga o filme direto no terreno da fábula, que é mais ou menos a estrada que a prosa de Nei Leandro sugere. Ze Araújo surge com a dimensão do cidadão comum - um bom espelho do seridoense metido a uma pilhéria, gaiato das pequenas transcendências. Dualiba, com quem divide esse prólogo, também aparece bem resolvida na figura de Lívia Falcão, que dá conta de um personagem difícil, por tão divertido quanto repugnante, caso você tenha o livro em mente enquanto assiste ao filme.

A coisa começa a fazer água logo a seguir, numa cena fundamental para sustentar o resto do filme. É o momento em que Araújo vira Ojuara, esporeando um cavalo brabo em praça pública. O diretor resolveu a cena quase que totalmente com base na trilha sonora. Tire a música grandiloquente e veja o que sobra. E o ator principal mostra que, se deu conta de Araújo, não comeu feijão o suficiente para incorporar Ojuara. Ainda há uma boa seqüência - aquela em que Ojuara enfrenta o diabo pela primeira vez, na tapera do preto velho - mas fica nisso.

O Ojuara do cinema não tem grandeza, não enche a tela, não tem aquela característica que dá a um personagem o desenho do extraordinário. Chega a ser justamente o oposto do Ojuara do livro: é cheio de boas intensões, posa de defensor de pobres e oprimidos, busca o repouso do guerreiro mais do que a aventura da estrada. Se o leitor reparar bem, vai notar que Araújo é muito mais Ojuara do que o inverso. Sem mostrar nunca o país de São Saruê, o filme também subtrai do seu (anti) herói o cenário que confere um poder mítico a Ojuara. Se o filme recorresse a texturas diversas para desencravar seu mito, até um desenho animado daria vida a uma São Saruê imprescindível.

Mas o roteiro e a direção preferem investir num Ojuara mais para o romântico do que para o endiabrado. Abre um parêntese de vertigem amorosa quando Ojuara conhece Sue que nada tem da marca picaresca do cabra que conhecemos no livro. O motor de Ojuara é outro e fica mais embaixo. Não tem nada daquelas alturas em que a Sue readaptada desfila (aliás, numa seqüência muito parecida com uma outra de "Abril despedaçado", de Walter Salles). Sei que o autor do livro também é autor do roteiro, mas a mão pesada da produção fica evidente: o objetivo era extrair do livro o que fosse o mais assimilável possível, numa apropriação da uma pequena mitologia regional como matéria de lucro nas bilheterias.

Essa é a impressão geral, mas como nem tudo é um bloco acabado ou uma conspiração cultural, aqui e ali esbarramos em boas performances que se não foram melhor aproveitadas é porque o propósito era outro (aquele do parágrafo acima). Por exemplo: há, ao longo do filme, três belas atuações (uma bem inesperada) que dariam um Ojuara menos retilíneo e previsível. O pernambucano Otto, que chuta o pau da barraca com seu Zé Tabacão, renderia um Ojuara agalegado e foribundo, como sugere o livro. Helder Vasconcelos, que eu nunca havia visto, rouba a cena com seu diabo inquieto e faria o espectador enxergar um Ojuara menos herói de novela de Aguinaldo Silva do que Marcos Palmeira. E ainda há o simpático Leon Goes, irmão do diretor, com uma pronúncia que significa sotaque sem afetação - uma cumplicidade interiorana, um excesso de confiança que ficaria muito bem em... Ojuara, o autêntico.

Mas nada disso foi aproveitado à altura, devido à opção de realizar um filme fácil sobre um livro consumível (o que não quer dizer que não seja ótimo). Há uma clara disposição em não arriscar nada. Muito pelo contrário - e Fernanda Paes Leme, à frente do elenco feminino, elimina qualquer dúvida. É um filme preso ao roteiro, pouco preocupado em estudar seus personagens, que foge da ousadia tanto quanto o seu herói anuncia procurar uma boa encrenca. E, mesmo tomado como entretenimento, é fraco: porque mesmo um produto destinado à diversão prescinde de invenção. E o filme não inventa nada - antes, repete: Palmeira reciclando seus protagonistas televisivos, uma piada que se repete como bordão de programa humorístico, um desfecho à altura da dramaturgia das seis da tarde na tevê.

Repetição por repetição, sobrou até para o Casseta e Planeta, que também virou fonte de inspiração. Lembrei dos Cassetas (e acho que não fui o único) bem naquele momento em que todos temem a chegada de um pistoleiro cruel e sangüinário. Quando ele aparece, é... Zé Pequeno (o ator Leandro Firmino da Hora, que, na seqüência, como que consciente da redundância, passa a brincar com seu "personagem" e tira sarro de tudo). Parece ou não uma piada dos Cassetas: Zé Pequeno invadindo o set de "O homem que desafiou o diabo"?

6 comentários:

Anônimo disse...

concordo, sebá: quando fui assitir, não esperava um grande filme, mas, mesmo assim, achei muito mais fraco do que imaginava. e do que mais gostei foi o diabo: tb não conhecia o ator, que é ótimo.

Moacy Cirne disse...

Meu caro, como eu não esperava grande coisa do filme, me surpreendi com algumas interpretações e algumas cenas. Mas, no geral, concordo com você na avaliação da obra. E a passagem de Zé Araújo para Ojuara é um de seus pontos mais fracos. Até mesmo Marco Palmeiras está melhor como Zé Araújo. Mesmo assim, ainda acho que o filme, apesar de tudo, merece ser visto por nós, nem que seja para criticá-lo. Prefiro-o aos espetaculosos filmões hollywoodianos. Um abraço.

Anônimo disse...

"o objetivo era extrair do livro o que fosse o mais assimilável possível, numa apropriação da uma pequena mitologia regional como matéria de lucro nas bilheterias."

tenho dito meu caro Tião e faço minha a sua frase.

Sebastião Vicente disse...

Augusto: muito bom saber que o senhor anda por aqui, seu Sílvio. Seja bem-vindo ao Sopão. E volte sempre.

Anônimo disse...

Huashuen disse: Boa noite companheiros acabei de ver o filme aqui em casa e preciso elucidar algumas dúvidas que existem nos comentários: 1) Os senhores esquecem que o livro, que foi base do roteiro, é tb inspirado nas histórias contados pelo povo dos sertões de todo o nordeste, assim como "João Grilo" o Ojuara é um personagem do povo que mostra a força do nordestino e seu jogo de cintura p/ driblara as situações mais difíceis, até enfrentar a morte, vista como o diabo.
2)E falando no cão, Helder Vasconcelos, grande cantor, dançarino, capoerista, produtor e agora ator, saído da extinta banda Mestre Ambrósio, que acabou em 2005 deu um show de dança maracatu e interpretação no papel do tranca-rua. parabéns. huashuen

Anônimo disse...

Caralho!!!!!
Eu gostei muito do filme, vcs são muito exigentes. Ri pra caralho, principalmente porque me lembraram fatos e causos que ouvia quando criança. Tinha me esquecido da Mãe-de-Pantanha, a maior bucetuda que apareceu pelas bandas de Caicó e se ela era tão gostosa quanto a atriz que a interpreta eu não ia me importar de sofrer uma chave-de-priquito dela.Recomendo o filme para aqueles que costumam ver filme por diversão e não com olhar de critica.E tome rõla na Mãe-de-Pantanha!!!!