segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Bela noite no Alvorada


Calçadão do Palácio da Alvorada, nove-dez da noite desse domingão. Um grupo de abnegados simpatizantes petistas tenta mostrar, diante da residência oficial do presidente da República, sua alegria com a eleição de Dilma para a sucessão de Lula. Nada planejado, ao contrário: uma turma formada por casais, pequenos núcleos familiares, jovens buscando uma festa, gente querendo simplesmente desabafar a esperança contida depois de uma campanha tão acirrada e, em muitos momentos, injusta. Pouca gente, e não muito barulhenta. Bandeiras, algumas crianças e um espírito que lembrava o carnaval em Recife ou comício das Diretas Já. Outro grupo também estava ali, mas notadamente por obrigação – os repórteres e produtores de jornais, rádios e tevês.

O que essa gente toda, o narrador que lhes fala incluído, estava fazendo mesmo lá? O que queriam? Ver Dilma chegar para comemorar com Lula a vitória? Sim, naturalmente. Mas não necessariamente. Festejar, apenas. Também, mas não só. O que a gente queria ali, esses vários tipos de pessoas que, ao anúncio do resultado da eleição, tiveram o impulso de sair de casa e fazer alguma coisa, era expressar o valor dessa vitória. Exercer o direito de comemorar a continuação de um projeto de governo tão combatido pelos setores mais privilegiados e ao mesmo tempo tão aprovado pelos menos favorecidos. Se Dilma, afinal, entrou no Alvorada por outro caminho e não viu nem foi vista por esse grupo animado de plantão, nada se perde. Aqui, ali, naquele momento da noite de ontem, tudo se transformou, pela química contida na alegria da militância que usa como arma desacreditada o velho e bom entusiasmo. E que, com esse instrumento sem preço na mão, foi em grande parte responsável pelo resultado eleitoral de ontem.

Mas é preciso uma nota final sobre um desses militantes em particular que lá estava na porta do Alvorada. Era um galego de Florianópolis, baixinho, comum, classe média tradicional, roupa de loja de departamento e dono da mais brasileira das euforias. Enquanto os políticos chegavam em seus carros de janelas de vidro preto e Dilma não aparecia, esse cara animou todo o resto, deu voz ao pequeno grupo ali reunido, fez graça, divertiu e talvez mais do que ninguém expressou a importância da data de ontem.

Quando parou um carro de vidro preto e a janela se abriu revelando o passageiro Eduardo Campos, o galego de Floripa lançou o grito: - Viva Pernambuco! Quando Cid Gomes fez o mesmo antes de cruzar os portões do Alvorada, o galego petista-classe média-floripano arranjou um lugar no amontoado de repórteres e perguntou: - Tá feliz, governador? E era sempre assim, desde o momento em que apareceu no pedaço para verbalizar, no grito brasileiro que mistura cidadania com bom humor, o pensamento daquela gente toda reunida ali mas até então meio caladinha – com o silêncio dos gatos escaldados pela patrulha que não ousa se reconhecer assim. No momento em que chegou, o galego de Floripa já surgiu em grande estilo, na janela de um carro que parava, berrando para o céu: - Dilma, eu te amo!

Nisso, ele até levou uma pequena bronca, porque a declaração pública de amor eleitoral atrapalhou a audição do pronunciamento da presidente eleita, que o grupo reunido na porta do Alvorada via e ouvia aproveitando um pequeno monitor de televisão da TV Record ali à disposição. Só que o som era baixo como o quê – e quem queria ouvir melhor corria para ligar o rádio do carro, que fazia a fala de Dilma ecoar por aquelas paragens do Planalto Central em noite de festa. Pois o galego foi gritar justo neste momento.

Mas logo se enquadrou, desceu do carro, juntou-se ao grupo que assistia ao pronunciamento e, já no finalzinho, com sua bandeira em punho, como que para não perder o espírito entre gaiato e cidadão que deu destaque à sua presença naquele tempo e lugar, pilheriou, para a graça de todos:
- Ah, Dilma, vem que eu quero rolar com você neste laguinho!

*A propósito: como disse, o lugar estava cheio de repórteres setoristas e produtores de tevê, entre eles colegas que a gente conhece da comunidade dos jornalistas de Brasília. O detalhe é que nenhum deles reparou no papel exercido ali pelo galego de Floripa. Ninguém o entrevistou, ou quis saber quem ele é, as razões objetivas de tamanha euforia, o que o levou a comemorar daquela maneira. Não, estavam todos ali, repórteres, setoristas e produtores, para gravar “sonoras” (que é como entrevistas curtas são chamadas no jargão das redações de tevê) com políticos, cumprindo pautas pré-estabelecidas que não abrem espaço para o imprevisto, como a manifestação autêntica do tal galego. Houve um tempo em que o jornalismo não era assim, tempo em que o galego seria visto como um personagem digno de nota, reportagem, destaque. Agora, não: é todo mundo e cada um cumprindo sua parte na máquina fria da notícia pensada em redações fechadas, como quem coloca um parafuso a mais na engrenagem. Uma pena.

*Uma grande repórter sem diploma que conheço, Maria Isabel, minha sogra, informa diretamente dos bairros Pitimbu-Satélite, em Natal: às vésperas da votação, houve ali uma carreata atípica e, por isso mesmo, bem representativa do que está acontecendo no Brasil enquanto as redações se distraem com outros assuntos. Foi uma carreata de carroceiros em favor de Dilma. O tipo da notícia interessante, inusitada e significativa o bastante sobre o Brasil atual para NÃO aparecer com destaques nos jornais e noticiários da tevê.

3 comentários:

Inácio França disse...

Tião,

assino embaixo de seus dois asteriscos (*)

abraço

Inácio

Titina disse...

Tião estamos todos felizes com a vitória de Dilma e triste com o preconceito revelado pela elite branca sulista e sudestina. Simplesmente cansamos dos maus tratos. Viva um Brasil forte e unido. É isso que sonhamos.

Titina disse...

Errei no português, o "triste" deveria estar no plural.