
E não convém reduzir o peso – não só o peso material mesmo daquelas mais de 700 páginas, embora elas tenham seu efeito nos braços que sustentam o livro – de A PEDRA DO REINO, o romance dos romances de Ariano Suassuna, a um mero caso específico como aquilo aqui em questão. A Pedra de Suassuna foi, sempre que aberta na vã tentativa de fugir dos embates ardentes da eleição, uma piada de gaiato sertanejo a tirar sarro do pobre leitor, como a lhe dizer: quer moleza vá no Balaio! Porque quem conhece o livro sabe que ele, além de ser o Dom Quixote armorial-brasileiro de Suassuna (e digo isso sem nem ter lido o farol Cervantes que ilumina essa e outras milhares de comparações), é também, num dos inúmeros veios narrativos, ensaísticos e literários praticados pelo autor ao longo de sua contra-epopéia molambenta de brasileiro desprovido de tradições consagradas, uma cutilada de faca peixeira nos padrões políticos que desde sempre fazem parte da vida nacional.
Na PEDRA, o anti-herói Quaderna tem por seus pares uma dupla atrapalhada composta por um intelectual pateta de extrema direita e um ativista caboclo quase em transe permanente em favor da extrema esquerda. O personagem central diverte-se como só mesmo o povo sabe se entreter diante dos embates entre essas duas faces da mesma moeda. Extrai dos seus conselheiros as contradições e as perplexidades, debocha de suas certezas, aproveita-se de seus furos para, gaiato como convém, afirmar-se. E assim, narra sua trama que é evidentemente muito maior do que esta postagem de dia útil. Só lendo, mas o que queria dizer aqui é que ler essa dita história como tentativa de fugir do debate eleitoral que tivemos é como fugir de uma chuvarada inesperada buscando abrigo num carro conversível de capota arriada. Ou por outra, trocar o chuvismo pela biqueira, o toró pelo banho de cuia.

Havia o DVD, essa bênção permanente contra o tédio. E lá vou eu à locadora em busca de velharias que têm sido o meu cardápio audiovisual customizado para momentos exasperantes nos vários setores da vida. O que eu levo, entre outros títulos que, por mais que tente, não consigo lembrar? Este RECONTAGEM, drama político feito pela HBO e que reconstitui a igualmente exasperante apuração (certamente fraudada) da eleição de Bush filho para a presidência dos EUA. Todo mundo lembra da história, embora não retenha os detalhes. Pois os detalhes estão todos lá, no filminho do canal de tevê a cabo. E nos detalhes é que a gente vê o tamanho do susto: foi só por meio de um deles que me dei conta da extensão do imbróglio dos filhos de Tio Sam. Precisamente aquele que conta, já bem a caminho do final do filme, que passaram-se umas tantas semanas sem que o povo americano – essa coisa pesada como o livro de Suassuna e que por isso mesmo também muito intimida os plebeus chamada “povo americano” – soubesse exatamente quem ganhara a eleição. Pronto, novamente o detalhe me escapa: teriam sido três meses? É demais, me diz o bom senso. Por aí, arrisca a memória. Só sei de fato que o período foi tão longo – tão mais longo do que ficou na nossa memória coletiva – que Al Gore, aquele que depois passou a tirar uma onda de ativista de responsa contra o aquecimento global, resolveu jogar a toalha antes que as instituições do seu país tivessem de fazê-lo, o que seria bem pior. Fico imaginado se fosse um tal de José Serra no lugar dele... pobres instituições!


E todo o resto – a ameaça, no ar, do apresentador de se suicidar ao vivo e a cores para todo o país, com a conseqüente decisão da executiva em ascensão de fazer dele um item indispensável de audiência garantida – é detalhe, de natureza bem diversa daqueles de que falei quanto ainda estava na conversa sobre o filme RECONTAGEM. Ao fim e ao cabo, tudo isso quer dizer que, no período da campanha, tudo se tornou tão urgente que nem os filmes nem os livros sobreviveram ao impacto de sua presença. Mas será que é só em períodos assim? Ou seria sempre – e a gente apenas não percebe, porque, afinal, precisa aqui e ali de um tempo pra recompor coração e mente? Vamos ver no próximo lote de filmes a sacar na locadora – e nos livros que virão depois de um marco obelístico como é a PEDRA de São Suassuna.
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Um comentário:
sebá, pedro está lendo a pedra do reino, e se encantou com ariano. virou fã. beijins.
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