terça-feira, 16 de novembro de 2010

Gervázio, o retorno


Adivinhe quem me parou o carro ontem mesmo ali naquela mesmíssima faixa de pedestres entre o Palácio do Planalto e os anexos do Senado? Acertou: ele mesmo, Gervázio, o líder informal dos ratos expulsos dos porões do Planalto que sobrevive – sim, ainda sobrevive, mas o prazo de despejo se aproxima – nos porões da casa revisora do Congresso Nacional. É cada vez pior a situação de Gervázio, mas ele, como todo rato que se preza, guarda um pedacinho de queijo podre que pode lhe garantir não só a sobrevivência futura, mas até um certo charme final de ricaço decadente.

Às explicações: começando pela situação atual, substantivamente falando. A turma de Gervázio, se sabe, tinha pouca esperança mesmo de voltar aos porões do Palácio do Planalto. Mas eis que, na reta final da campanha presidencial, começou a surgir um cenário neoconservador que muito lembrou a Gervázio e sua gente os bons tempos dos generais de casacão que nunca deixaram faltar comida da boa nos subsolos do palácio. O cheiro de bonança vinha de uns papos sobre aborto, sapatas e panfletos apócrifos. De repente, os ratos notaram que o que havia de pior – quer dizer, de melhor, na perspectiva deles, claro – em certa religiosidade pátria estava mostrando suas garras e exibindo certa capacidade de articulação para chegar lá. E por um momento, Gervázio e seus pares viram a luz.

Mas foi uma ilusão que, ao não se confirmar, tornou ainda mais difícil até mesmo a atual circunstância da comunidade dos ex-ratos do Planalto. É que, além de não poder voltar à sua antiga moradia, Gervázio e os seus ainda se descobriram acuados na própria moradia provisória que encontraram, os subsolos do Senado. Com uma nova composição nos plenários e corredores da superfície lá em cima, ficou claro para os ratos que a partir de primeiro de fevereiro de 2011, data da posse dos novos senadores eleitos, não vai haver muito espaço de simpatia para com eles, os ratos.

A carta na manga de Gervázio – digo, o queijo podre que ele guarda em um buraco secreto – é a recente onda de neoconservadorismo racista que também emergiu do final da campanha e vem ganhando corpo até mesmo depois de proclamado o resultado da eleição. Se sabe que, onde há o tom de ódio social, a cusparada lateral diante de um legítimo nordestino de chapéu de couro e seus descendentes integrados à vida econômica e social do país e a repulsa aos desqualificados de todos os estirpes haverá sempre um rato por perto, metaforicamente ou não. Aliás, destaque-se desde logo, Gervázio e seus liderados choraram lágrimas há muito represadas ao ouvir o discurso de reconhecimento da derrota (!) de José Serra. Para o grupo de amotinados nos porões do Senado, o verbo belicista do candidato soou como iguaria de fim de noite temperada em molho de sarjeta ao luar. Coisa fina, pra quem é do ramo.

Enfim, os ex-ratos do Planalto estão na pior, mas não estão mortos.

*Na ilustração, o ator Luiz Carlos Vasconcelos em cena de "Romance do Vaqueiro Voador", de Manfredo Caldas - um dos melhores filmes para quem quer conhecer a Brasília real dos descendentes de nordestinos, para além da fama arquitetônica da capital do país.

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