domingo, 7 de novembro de 2010

A presidente, o tempo e o parênteses


Foram mais de 40 postagens em um mês, média de duas por dia. Uma freqüência nunca vista desde que este blogue passou a funcionar, já lá se vão três anos agora em novembro. E depois, voltou um certo silêncio. O leitor deve ter se perguntado: esgotou-se o blogueiro, estafou-se o escriba? Sim e não. Depois do esforço textual do mês que antecedeu o segundo turno da eleição presidencial, o que todo mundo – e o Sopão incluído – mais precisava era de um tempo.

Todos precisamos dessa pausa. E não deixa de ser irônico o fato de a pessoa que mais necessita desse intervalo, a própria presidente eleita Dilma Roussef, anunciar que tiraria apenas quatro dias de descanso entre o anúncio da vitória e a volta ao trabalho com a equipe de transição. Só a duração desse recesso já diz muito sobre a presidente que teremos. Muito mesmo – bem mais do que o caminhão de análises, muitas comemorativas, outras tantas reservadas e tantas outras francamente contrariadas, feitas sobre o significado dessa vitória.

O fato é que é preciso dar tempo para que a vitória da continuidade seja assimilada. E todo precisam desse tempo, Dilma mais que qualquer um. O eleitor de Dilma precisa de tempo para se refazer do esforço pessoal que há de ter feito, de uma maneira ou de outra, para contribuir com a vitória (um blogue, uma tuitada perdida, uma conversa com um amigo indecido, um toque, o que seja). Também precisa de tempo o eleitor de Serra, pra não fazer como a tal estagiária de Direito que meteu os pés pelas mãos no teclado fácil do computador e confundiu desabafo com preconceito. Tivesse a moça contado calmamente até dez antes de cometer sua tuitada intolerante e talvez não o tivesse feito.

No filme “Nosso lar”, espíritos recém-desencarnados que chegam ao retiro espiritual em desassossego são estimulados a manter na boca, sem beber, o conteúdo de um copo de água. Religiosidade à parte, nada mais demonstrativo da qualidade desse tempo que se faz necessário agora. É preciso que todo mundo – eleitores, militantes, candidatos a ministro ou meros espectadores passivos que adoram não fazer nada no momento preciso só para terem o prazer fugaz de reclamar depois – encham a boca com aquele copo de água apaziguador. Não foi o que fez o candidato derrotado, com aquele discurso belicista construído com imagens de trincheiras logo depois do anúncio da vencedora. Poderia ser outro caso de combustão da gasolina verbal do tempo antes da hora, mas como o discurso do derrotado veio – quebrando os protocolos da boa educação – depois da fala da vencedora, há que se admitir que, nesse caso, tempo houve – faltou humildade mesmo. Água para Serra, nem que seja para manter a boca cheia e portanto impedida de pronunciar palavras equivocadas.

Ainda sobre o tempo, é preciso registrar um conceito extraído entre o sem-número de análises pós-eleitorais, especialmente na seara do jornalismo inconformado com o resultado das urnas. Foi dito, não com essa imagem mas com tal significado, que o governo Dilma que vem aí será um mero parênteses entre o período Lula que está terminando e a futura era que virá daqui a quatro anos com Aécio, Marina ou outro nome da oposição. E é como se Dilma não tivesse a legitimidade que acabou de obter na urna, como não existisse o mandato que ainda sequer começou. É a negação da vitória da maneira menos disfarçada. Dilma, nesta leitura, será um breve parênteses de quatro anos entre Lula e Aécio, ou Marina, ou mesmo o Serra “até mais” do discurso de contrariado reconhecimento da derrota.

Quem pensa assim novamente está subestimando a matéria do tempo. Pois ele, tanto quanto é necessário agora, como um piso sobre o qual serão construídas as bases do governo Dilma, estará presente no futuro imediato do país sob o mandato de sua primeira presidente. E não dá para compactar em um arquivo de nulidade arbitrário a extensão, o impacto e as conseqüências de um governo inteiro que vem por aí, queiram ou não os derrotados no pleito que ainda acabou de terminar. O tempo, sempre ele. Essa criatura maior do que os homens, pois que a este sobrevive com infinita permanência.

Agora, Dilma e os brasileiros precisam desse tempo de reacomodação de tudo e de todos. Amanhã, no ano que vem, em 2012 e até 2014, o tempo se vestirá com as roupas que os homens se dispuserem e conseguirem colocar sobre seu corpo ambíguo. De maneira que pode ser um engano pequeno confundir mandatos com parênteses, tempo com vontade. E o Sopão aqui, muito provavelmente, vai retomar sua lentidão reflexiva dos períodos normais, como quem faz sua genuflexão diante do deus tempo e admite a necessidade de mais espaço entre uma postagem e outra como intervalo essencial para que as idéias façam sentido e tragam suas pequenas revelações.

Aliás, vem daí o significado da palavra espanhola para jornalismo, “periodismo”, que destaca o caráter periódico, ou seja: etapas consideradas em intervalos mínimos, do melhor jornalismo. Coisa que o tempo real, com sua urgência desesperada e competitiva, deixou em terceiro plano. Mas essa já é outra história, que não se enquadra no tempo breve que deve ter esta postagem aqui.

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