quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Dino


Rex, matinê, Canal 100, Maciste, Dino De Laurentiis. Todas essas palavras, pelo mero fato de serem pronunciadas, têm o poder de acender no meu inconsciente o clarão das mais remotas salas de cinema. Hoje, ao abrir o habitual cardápio de notícias dos portais da internet, encontrei a informação sobre a morte de Dino de Laurentiis e me ocorreu, de pronto, a consciência do quanto a mera pronúncia do nome desse afamado produtor de filmes me remete instantaneamente - e não sem uma poética carga de sentimento - ao universo do cinema. Não necessariamente o cinema das grandes bilheterias mundiais, nem o cinema aprovado dos críticos mais abalizados. Tampouco o alternativo ou o conformadamente comercial. Todos esses e nem um deles, ao mesmo tempo. Porque basta ouvir pronunciado ou ler no jornal ou na revista o mero nome Dino de Laurentiis para eu me remeter, qual um foguete humano disparando rumo à sua própria e sentimental memória, para o mundo do meu cinema. Meu, e como tal de mais ninguém.

E isso porque Dino de Laurentiis foi o produtor de um dos filmes que mais me marcou a infância de menino dos anos 70, o remake de "King Kong" menos aclamado pelos críticos e mais amado pelos ex-garotos que fazem parte da minha pobre e abestalhada geração interiorana. Nâo bastava assistir ao filme em duas sessões, enquanto durasse a exibição ligeira que marcava a programação do velho Cine Rex, em Parelhas. Houve também, com qualidade diferente mais intensidade idêntica no fruir da emoção, o álbum de figurinhas que, como um storyboard mais soberbo, reproduzia em stills o conteúdo do filme a que a gente assistira na tela. Em um e outro, no cartaz do filme e na capa do álbum que o reproduzia para frisson de nossas retinas famintas de iconografia mais variada, lá estava a palavra mágica, o nome do produtor que hoje faleceu. E assim Dino de Laurentiis, aquele desconhecido, fundia nas impressões de nossas memórias em construção o seu nome ao do grande sucesso que lotava as sessões no prédio que anos mais tarde seria transformado em loja de madeira para construção.

Bem mais tarde, na juventude, seriam os diretores que reinariam absolutos naquela mesma memória em progressão que só entrega seus frutos maduros depois dos 40 anos de idade. Scorcese, Glauber, Coppolla e afins. Ficara para trás o tempo dos produtores, essa figura tão definitiva em um filme quanto os cineastas mais consagrados que todo intelectual de caderneta tem na ponta da língua. Dino foi, novamente, o pioneiro para o espectador que lhes escreve - e nessa condição permaneceu no filme do tempo, como uma relíquia esquecida, coberta por algum lençol branco produzido no tear das décadas. Qual um objeto de cena, trenó de Orson Welles perdido em subsolo de catedral empoeirada, traça audiovisual sagrada no altar de um cinema que tinha em palavras como Rex, Maciste, Canal 100 e Dino De Laurentiis seu catecismo pagão de crenças maravilhosamente fabricadas. Fosse arte ou comércio, transcendência audiovisual ou um vintém a mais na bilheteria onde alguém calmamente trocava dinheiro por senhas que davam acesso àquele outro mundo imerso entre as sombras da sala de projeção.

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