terça-feira, 16 de novembro de 2010

Nem nem


O exame do ensino médio virou um prêmio de consolação na retórica pós-eleitoral das viúvas serristas. Mal estourou a notícia sobre os mil e um furos na organização da prova, a tigrada de terninho que tanto pode estar no programa do Jô quanto nos painéis raivosos e travados da GloboNews jogou-se sobre a carcaça da incompetência colossal como cães cheirosos que suspendem as patas da elegância e se atiram afobados sobre um osso qualquer de rua.

Numa dessas sessões de descarrego do canal de notícias dos Marinho, Eliane Cantanhede, com aquela cara de pedicure de tucano derrotado, arreganhou os bem cuidados dentes quando se falou no primeiríssimo ponorama pós-eleições: “Gente, e o Enem?! O que é o Enem, gente?! Eu, telespectador privilegiado e ao mesmo tempo punido pelo modelo de comunicações no país, fiquei ouvindo aquela comemoração ziguezagear na minha mente, como um eco que gracejasse: “Gente, e a Eliane Cantanhede?! O que é a Eliane Cantanhede, gente?!” E a reposta veio, de algum momento da década de oitenta, quando uma outra estrela do jornalismo pátrio foi escorraçada da mais disputada bancada do país por transparecer certa simpatia por notícias ruins. Lílian alguma coisa, lembra dela? Não. Normal, afinal somos e reafirmamos todos os dias que somos um paiseco sem memória. Lílian-vale-por-um-bifinho dava notícias sobre o crescimento vertiginoso da inflação com um esgar de maldade satisfeita no canto do lábio. Foi chutada. Hoje, os jornais, os portais e as telas, das grandonas e defasadas às mais brilhantes e fininhas, estão coalhadas de Lílians mal amadas e ninguém vê o menor problema.

Mas o papo era sobre o Enem e é preciso que se diga: por pior que seja, por falho, por sujeito a furos, por vergonhosamente vazado, ele ainda é – ou talvez, por tudo isso mesmo, seja cada vez mais – um sistema nacional de seleção de alunos para o meio universitário superior ao vestibular tradicional, porque aberto a preencher vagas onde elas estão, calafetando as ociosas que, em última instância, são um luxo num país que precisa desesperadamente de educação, seja básica ou superior. A pior educação universitária será sempre melhor do que a negação de uma vaga para quem, ainda que não inteiramente preparado para o vasto debate que rege o mundo acadêmico, deve ter o direito de ingressar nele. E o Enem, bom ou ruim, bem feito ou detonado, realiza, favorece, fortalece, investe nisso.

Na verdade, o "defeito" maior do Enem - e aquele que nenhum comentarista bem pago das redes oficiais conceitua e explicita - é o fato de ele democratizar o acesso à universidade. E parece que tudo que democratiza para a massa o que antes era um privilégio numérico para poucos no Brasil passa antes por essa penitência pública de ser execrado por contrariar interesses bem privados. Com o Enem não seria diferente. Mas com ele, independente do apuro aplicativo da prova em si, muda a política de ingresso nos bancos acadêmicos. E isso, meu leitor, ninguém perdoa e poucos permitem. Este é o nó do Enem. O resto, não vale mais que um nem-nem de conversa dispersiva.

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