Dizem que quando Michelangelo terminou de esculpir seu "Moisés", teria dito: "fala!", tal a beleza da escultura. Pois de uns tempos para cá eu estou quase convencido de que, quando vestiu a capa ritual de presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes se olhou no espelho do gabinete e disse: "Fala!"
A diferença é que, enquanto o escultor renascentistas estava impressionado com a qualidade de sua obra, o ministro do Judiciário brasileiro parece embevecido com o poder do cargo que ocupa. Senão, vejamos: durante o governo Fernando Henrique Cardoso, Gilmar Mendes era advogado-geral da União. Era muito freqüente, na época, que reportagens de televisão necessitassem de uma entrevista rápida, uma palavrinha do então advogado-geral, o que a gente, no jargão das redações, chama de "sonora". Pois era um sacrifício conseguir um mísera, boa e extensa que fosse sonora do advogado-geral Gilmar Mendes. Parece que, a meio caminho da carreira judiciária que ele seguia e planejava, naquele momento não convinha a Gilmar Mendes se prolongar em comentário sobre o que quer que fosse - ainda que se tratasse de assunto pertinente à função que ele exercia.
Como editor na TV Bandeirantes, cansei de reclamar da dificuldade de "cortar" (a palavra, aqui, outra do jargão, não tem o sentido de "censurar", mas de "formatar" dentro da narrativa que é uma reportagem de TV) uma "sonora" de Gilmar Mendes. Enquanto hoje o ministro fala sobre tudo e sobre todos (estando ou não sendo gravado por câmeras de TV ou grampos ilegais), na época, cumprindo muito bem o ritual de quem está ascendendo na carreira e não pode se comprometer com malabarismos verbais, ele media cada palavra. Quando dava uma entrevista para televisão, Gilmar Mendes parecia estar ditando suas palavras para um repórter obediente. Palavras meticulosamente escolhidas, frases absolutamente desprovidas de qualquer espécie de contundência. Naquele momento, não convinha.
Hoje, ah, hoje, devidamente alçado à maior corte judiciária do país pelo mesmo presidente que o tinha com advogado-geral da União, o ministro - melhor, o "presidente" Gilmar Mendes - sente-se plenamente à vontade até para "chamar o presidente (aquele outro) às falas". Não satisfeito em fazer de suas próprias falas uma manifestação plena de poder (transitório, alguém deveria lembrá-lo), o ministro ainda exige que a autoridade maior do país - porque, afinal e diferente do presidente do STF, eleita pelo povo - também "fale", embora, naturalmente, não como expressão de poder pleno e legítimo, mas de coação constrangedora.
Mas, como diria "Lula, o constrangido", "deixa o ministro falar". Dia sim, dia não, o verbo solto, esse indisciplinado contumaz, queima-se a si próprio. É esperar pra ver.
P.S: E a imprensa brasileira, hein? Nesse domingo, os jornais e revistas expuseram, involuntariamente, suas próprias carnes mal passadas nas bancas de todo o país. Daniel Dantas é o açougueiro maior, do filé à carne com osso. Sobra uma ou outra publicação só pra confirmar a regra geral. É impressionante como, de facão em punho, o banqueiro conseguiu invalidar bife por bife cada uma das postas da operação policial que quase o levou para atrás das grades.
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