Sei quase nada sobre Samarone Lima. Concretamente, que é amigo de um amigo (Gustavo de Castro), que vive (e como vive) em Recife (ou seria no município vizinho do Cabo?), que, como eu, estudou na Católica (onde cursei o primeiro ano de Jornalismo), que tem o hábito interessante de fazer longas viagens a pé. Por sugestão de Rejane, cheguei, via blogue de Gustavo, ao blogue de Samarone, escolhido para a sessão "Entreblogues" comemorativa do primeiro aniversário do Sopão. Continuo sabendo pouco sobre o Samarone concreto, mas a cada leitura do blogue (chamado de "Estuário") sou informado um pouco mais sobre o lado abstrato desse escrevinhador irmão, andarilho das palavras. Agora, ele também freqüenta os "outros pratos" do Sopão, para o gáudio de todos nós. Portanto, quando vierem aqui, andem também por lá que não vão se arrepender. Eis o texto que nos serve de exemplo:
"Resulta que em mim, há uma necessidade que vem das entranhas, essa de escrever. Me agonia a distância de um caderno, uma caneta, um lugar quieto para escrever, que é meu jeito de falar com o mundo. Porque em mim, escrever é ser. Sou o que a minha expressão permite. É tão orgânico, que me faz submisso. Não escrever é como um desamor, uma solidão. É o lugar do maior abandono.Às vezes, ao dia só resta atravessá-lo. Toma-se decisões, o telefone agiliza processos, a sobrevivência vai nascendo de atos que levam a alguma coisa, talvez precária. O labirinto da existência. Quando entardece, este excesso de vida prática exige novos rumores. Uma biblioteca, um café silencioso, um lugar de armistício. É possível colher alguns louros em meio às prateleiras, repleta de autores amados.Mas falta a escrita. O momento silencioso de elaborar as perdas, ganhos, fracassos, gentilezas. Aquietar a alma e deixar a mão seguir, tateando alguma cegueira nova, desconhecida.Procuro então uma biblioteca. O silêncio das bibliotecas me lembra catedrais fechadas, igrejas sem padres. Anoitece quando esbarro na biblioteca da Universidade Católica, onde estive tantas horas de minha vida. Sou barrado, porque no período das provas, só alunos e professores podem entrar. Não esboço reação. Sou um ex de quase tudo na vida: ex-aluno, ex-chepeiro, ex-professor, ex-repórter, ex-tantos.Chego a um café no pátio, onde o vento é bom. Não há tanto silêncio, mas a mesa vazia me acolhe bem. Por deleite espiritual, uso uma caneta bico-de-pena, comprada após um longo dia de trabalho. Um prêmio para meu dia, por não ter esmorecido ante aos seus rumores.Aqui, sentado, escuto as buzinas impacientes no trânsito. Talvez os motoristas não tenham descoberto que buzina não abre espaços nos engarrafamentos. Melhor vender o carro e comprar uma ambulância. Seria lindo o Recife, num desses dias de sol, com mil ambulâncias loucas, cortando sinais e causando alarde. Há, de fato, gente que vive como se a sirene estivesse ligada, a caminho de algum hospital que sequer existe. Talvez sejam as doenças da alma.Vou por aqui, anotar outras besteiras. Mas só este tempo destinado ao rascunho dessas minhas notas esparsas, que não constarão em nenhum jornal de amanhã, me acalmam o suficiente para ver o silêncio com outros olhos. Me aquieto, me acomodo, realinho algum cômodo interno. Minha paz está em minhas mãos.Sempre soube que viveria do que escrevo. Não sabia que sobreviveria do que vejo e penso, já sem os males do pudor, do excessivo cuidado com o mundo. Só me arrumo quando coloco as palavras para a vida, soltando-as em desabalada carreira.Minha ordem é outra. Minha salvação tem outras veredas. Minha bênção é esta escravidão das letras. As palavras me abençoam, me lavam. É tão pouco o que preciso, que às vezes tenho a vertigem de ser livre.Aos meus queridos leitores, estendo as mãos. Estou de volta ao nosso diálogo."
2 comentários:
Oi, só agora vejo que o seu blogue completou um ano. Parabéns! E, claro, vou espiar logologo o Estuário. Abraços.
Parabéns,Sebá,pelo primeiro ano do blogue. Também por meio de Gustavo de Castro,tomei conhecimento do trabalho e do texto de Samarone Lima. Texto de encher os olhos..
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