Todo mundo já escreveu alguma coisa sobre esse filme. Dele já se falou bem, mal, bem mal. Ele já provocou tanto deslumbramento quanto um certo enjôo, já foi acuasado de ser só uma peça de propaganda, já passou nas sessões cult da madrugada na tevê aberta de antigamente, já foi colorizado (foi?), já banalizou uma música tão bonita, mas também fez jus a ela e por aí vai a cantilena eterna que mantém tinindo as imagens de "Casablanca". Um dia eu também cometi umas palavras sobre ele, que reencontrei dia desses e boto aqui à disposição da paciência de vocês.
Fumaça, ironias e simulacros
Praticamente tudo já foi dito sobre Casablanca. Fenômeno cult, este filme já foi estudado, devassado, desconstruído, analisado à exaustão. E visto e revisto muitas vezes – e em cada vez se descobre um detalhe novo, uma remissão nos diálogos ou nas imagens a outras imagens e outros diálogos. Aquelas analogias visuais e dramáticas que um bom roteiro – e um bom filme – põem para dialogar. Sem falar na acidez irônica dos diálogos propriamente ditos, com aquele primor pernóstico tão freqüente no cinema noir. A edição de Casablanca em DVD oferece mais uma chance para o espectador investigar essas conversações internas do filme. E algumas novas (inesgotáveis) constatações aparecem.
Casablanca tangencia uma rica discussão sobre jogos de aparência. Nada é o que aparenta naquela cidade-território-livre-em-plena-vigência-do-nazismo. Rick não é aquele bloco de gelo seco que aparenta enquanto desfila pelo esfumaçado café que administra. Logo se revela um sentimental de fazer corar qualquer amante latino. O capitão que zela (!) pela ordem na cidade vê tudo, entende tudo mas flutua pelo filme inteiro falando meias-verdades. A cena em que ele manda fechar o café dizendo-se chocado com a jogatina ilegal é um primor (no mesmo momento, ele recebe sua parte no butim da jogatina que malandramente condena). O líder da resistência, Lazlo, faz vista grossa para o caso de amor de sua mulher com Rick, num jogo que põe no mesmo tabuleiro as relações amorosas e as negociações políticas.
Na boa literatura, o fundamental nunca é dito. Expressa-se por outros canais. Um gesto, uma palavra fora de lugar, um deslize. Casablanca, neste sentido, é quase literatura (não chega a ser porque mais cedo ou mais tarde o encontro de Ilsa com Rick põe os pingos nos is, degelando o clima geral). Um pouco mais, um passo além, e o filme ficaria no terreno puro (supostamente neutro, como a cidade de Casablanca) do simulacro.
E como complemento (nem na milésima vez em que o filme é visto a fruição se detém em um ou dois detalhes) há a composição das imagens, num pictória inacreditável, que o espectador custa a crer se deva a equipamentos eletrônicos como câmeras e luzes. Cada plano é um painel deslumbrante e revelador. Mesmo nos closes (e principalmente quando o close é do rosto de Ingrid Bergman, concebido para ser enquadrado por uma câmera). Cada rolo de fumaça cumpre sua função. Só pra destacar algumas dessas imagens, lembre-se daquela em que se vê Sam tocando o piano em planos gerais do Rick Café. Os melhores fotógrafos dos grandes músicos de jazz não fariam melhor.
Não há palavras para descrever a beleza e o poder expressivo dessa acuidade visual de Casablanca. E olhe que quase tudo já foi sobre este filme.
Fumaça, ironias e simulacros
Praticamente tudo já foi dito sobre Casablanca. Fenômeno cult, este filme já foi estudado, devassado, desconstruído, analisado à exaustão. E visto e revisto muitas vezes – e em cada vez se descobre um detalhe novo, uma remissão nos diálogos ou nas imagens a outras imagens e outros diálogos. Aquelas analogias visuais e dramáticas que um bom roteiro – e um bom filme – põem para dialogar. Sem falar na acidez irônica dos diálogos propriamente ditos, com aquele primor pernóstico tão freqüente no cinema noir. A edição de Casablanca em DVD oferece mais uma chance para o espectador investigar essas conversações internas do filme. E algumas novas (inesgotáveis) constatações aparecem.
Casablanca tangencia uma rica discussão sobre jogos de aparência. Nada é o que aparenta naquela cidade-território-livre-em-plena-vigência-do-nazismo. Rick não é aquele bloco de gelo seco que aparenta enquanto desfila pelo esfumaçado café que administra. Logo se revela um sentimental de fazer corar qualquer amante latino. O capitão que zela (!) pela ordem na cidade vê tudo, entende tudo mas flutua pelo filme inteiro falando meias-verdades. A cena em que ele manda fechar o café dizendo-se chocado com a jogatina ilegal é um primor (no mesmo momento, ele recebe sua parte no butim da jogatina que malandramente condena). O líder da resistência, Lazlo, faz vista grossa para o caso de amor de sua mulher com Rick, num jogo que põe no mesmo tabuleiro as relações amorosas e as negociações políticas.
Na boa literatura, o fundamental nunca é dito. Expressa-se por outros canais. Um gesto, uma palavra fora de lugar, um deslize. Casablanca, neste sentido, é quase literatura (não chega a ser porque mais cedo ou mais tarde o encontro de Ilsa com Rick põe os pingos nos is, degelando o clima geral). Um pouco mais, um passo além, e o filme ficaria no terreno puro (supostamente neutro, como a cidade de Casablanca) do simulacro.
E como complemento (nem na milésima vez em que o filme é visto a fruição se detém em um ou dois detalhes) há a composição das imagens, num pictória inacreditável, que o espectador custa a crer se deva a equipamentos eletrônicos como câmeras e luzes. Cada plano é um painel deslumbrante e revelador. Mesmo nos closes (e principalmente quando o close é do rosto de Ingrid Bergman, concebido para ser enquadrado por uma câmera). Cada rolo de fumaça cumpre sua função. Só pra destacar algumas dessas imagens, lembre-se daquela em que se vê Sam tocando o piano em planos gerais do Rick Café. Os melhores fotógrafos dos grandes músicos de jazz não fariam melhor.
Não há palavras para descrever a beleza e o poder expressivo dessa acuidade visual de Casablanca. E olhe que quase tudo já foi sobre este filme.
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