domingo, 2 de dezembro de 2007

Contículus brasiliensis

Lugar de ser feliz também pode ser supermercado
(Para Rosália Maria e colegas do Clube das Leitoras Discretas)

A cidade guarda a fama de capital do tédio, às vezes parece mesmo a pátria da rotina, mas quando a gente repara bem, há muito com o que distrair o olhar, a mente, o coração. Há dezenas de salas de cinema, palácios assinados por arquiteto de fama e uma história que, embora jovem, já produziu ótimos e consagrados músicos. Isso para ficar em apenas três exemplos.

Disso se deduz que, à sua maneira, essa é uma cidade espetacular. Mas os shows de música custam muito caro, a conta do restaurante normalmente vai além da conta e até o preço do ingresso do cinema agride o bolso do pobre estudante.

Num dia desses - um sábado? - a garota - estudante? - deixou-se surpreender por um divertimento mais barato - e aqui a palavra vale pelo sentido do custo e não pelo da suposta falta de qualidade. Ela estava no supermercado, onde havia feito compras frugais. O suficiente para uma sacolinha de plático só. Nem cheia estava.

Moça de compras moderadas e espírito vaporoso como convém a todas as moças. Blusa preta, colada ao corpo, cabelo curto de nuca exposta, saia dessas que parecem de artista de circo moderno ou teatro clássico: quatro cores, umas pontas descompassadas das outras, uma assimetria que convém a todas as pessoas.

Só a vi de costas e por isso não tenho como falar sobre o rosto. Mas achei melhor assim, pois assim pude imaginar boca, olhos e sobrancelhas macluhanianamente.

Estava de costas, eu dizia. De costas, com uma sacola branca quase vazia - e uma roupa que parecia um par de asas para o infinito que dura um claro instante.

Lá estava ela aproveitando o grande painel de vidro do supermercado para apreciar um espetáculo natural que a cidade oferece nesta época do ano.

Não era cinema, nem música, nem arquiteturas. Era isso tudo de uma outra maneira e era mais.

Ela olhava para a chuva - e eu olhava para ela.

2 comentários:

Francisco Sobreira disse...

Então, Brasília é considerada a capital do tédio? Pra ser franco, já estive aí 2 vezes e a cidade não me agradou. Mas tem os seus atrativos, sem dúvida. Mas pessoas sensíveis feito você sabe apreciar coisas boas até em Caixa Prego (existia, sim , uma cidade com esse nome, acho que mudaram a denominação), como prova nesse seu bonito texto. Abraço.

Anônimo disse...

bonitim, sebá.
(não sou anônima, mas só consigo postar o comentário como se assim fosse...)
ana sua mana