sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O dilema brasileiro



Se a presidente peita o Congresso, é autocrata. Se não, é fisiologista. Ou: a gangorra analítica que tenta explicar o que se passa longe do país, em Brasília


Enquanto o país leva a vida de casa para o trabalho todo dia, com uma pausa pra farra nos finais de semana, o tal do momento político segue saltitante em Brasília. Em cada esquina – caso esquinas houvesse, e há, mas isso é outro papo – paira no ar um prognóstico, uma análise, uma reserva quanto ao que esperar do futuro do governo Dilma diante os últimos acontecimentos. A linha geral, da esquerda à direita, parece ser a mesma: presidente nenhum no sistema político brasileiro governa ignorando o Congresso. E, ao fazer isso, a ex-birrenta e agora faxineira corre risco de não completar o mandato. A avaliação é ambígua: meio que apóia a postura de Dilma, meio que a considera uma figura menos capaz, por não levar em conta aquele vaticínio.

O suspeitíssimo Cláudio Humberto já disse isso e nas redações o comentário vai por aí. Há, claro, um pouco de lógica e um tanto de torcida nesse raciocínio. Mas a questão aqui não é bem a futurologia, e sim a contradição que ela engendra – o grande autodesmentido que 90 por cento dos analistas comete na ansiedade de atender a todos os lados da platéia. Alguém há de estar errado, gente – a realidade é desigual e não dá para fazer avaliação que contemple todas as fontes e públicos, variados como são os dois lados dessa moeda.

Senão, vejamos: não há poder mais apedrejado pela grande imprensa e população em geral – especialmente quando falta assunto mais pungente – do que o Legislativo. E, dentro dele, não há instituto mais condenado do que as tais das emendas parlamentares. Não há, para muito além dos Dnits da vida, espaço mais suscetível ao dedo apontado contra a corrupção do que o tal do político que, em setenta por cento dos casos, é deputado ou senador. O mesmo índice de desconfiança não é exercido contra o Executivo, dada à tradição brasileira mais do que reafirmada de despejar as fichas das possibilidades na figura do presidente da República, independente de partido, ideologia, ditadura ou democracia. Quanto ao Judiciário, é temido demais para ser alvejado por jornalistas, editorialistas, políticos e quejandos.

Então, dito isso, por que tamanha reação a uma presidente que se dispõe a contestar minimamente os desvios seculares do Legislativo – como é o caso das emendas? Na hora em que Dilma dá as costas à cobrança miúda dos parlamentares – o tal do fisiologismo tão criticado – ela recebe apoio ou é duplamente criticada por não saber “negociar politicamente” com o poder instalado no prédio ao lado? Se negocia, é fisiologista – se não, é autocrata. Essa censura política contra Dilma ou qualquer outro presidente que proceder assim (e FHC disse que é realmente inviável adotar esse comportamento) ocorre até mesmo no PT, no que o partido mostra como tristemente a permanência no poder vai desgastando a noção de republicanismo que ele mesmo prega tanto – e corretamente. Felizmente, o PT é variado demais para qualquer generalidade, daí o limite do questionamento.

Então: vivemos uma crise política porque a presidente, com seu extrato de origem técnica e gerencial, faz questão de fazer valer esses princípios diante de hábitos tão arraigados que o partido com mais condições de contestar isso desiste no meio do caminho – e justo quando a ocupante do Palácio do Planalto tem sua sigla inscrita na Justiça Eleitoral. Obviamente, as reservas oriundas de terrenos menos respeitáveis, como DEM de longa tradição contrária a toda democracia formal, social e econômica, nem vale a pena comentar. Tucanos têm uma cartilha teoricamente rígida – princípios conhecidos que, assim como ocorre aqui e ali no PT, são jogados no lixo. Mas o fundamental quanto ao PSDB não é isso: é o que eles fazem com isso. É algo anterior à corrupção – é a noção de estado que eles abraçaram no auge do neoliberalismo e teimam em não soltar.

Pra encerrar, uma pequena analogia que não diminuiu o possível erro de avaliação de tudo e de todos diante de Dilma, mas serve para incluir mais um elemento no quadro e aclarar um pouco mais o panorama: a diferença entre o PMDB e o PT é que, no primeiro, não se estranha nem um pouco quando estouram denúncias de corrupção – é capaz de se estranhar mais quanto ocorre o contrário. E com o PT dá-se o inverso. É o resultado dessa balança, aliado às causas de origem e à política desenvolvimentista e distributivista do governo Lula, que mantém o apoio de grande parte do país ao governo Dilma. Em matéria de convulsões, somos – partidos à parte – um povo experimentado, capaz de distinguir até onde o que acontece é uma marola boa para esquentar jornais, revistas e telejornais e até onde a crise entra de fato além da porta da casa de cada um. Quando o brasileiro ouvir o “toc, toc” no bolso, aí sim será hora de cogitar mandatos interrompidos ou similares.

Nenhum comentário: