sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Cineclube sonoro de Babal e Lívio


A música de Babal, o músico potiguar autor de “In Tecnicolor” e “Avenida 10”, consegue ser duplamente evocativa. Essa afirmação me vem à mente diante do CD “Cineclube”, idealizado por ele em parceria com o poeta e procurador (feliz associação) Lívio Oliveira. É evocativo o som de Babal primeiramente das coisas da Natal dos anos 80, da cidade de tetos baixos e praias ainda meio matutas quando comparadas à cidade-commodittie atual, onde naturalmente a qualidade de vida ainda é gritante quando em comparação a certas metrópoles brasileiras mas resta no ar um certo saudosismos de atmosferas passadas.

É bastante, por exemplo, ouvir a introdução de “Mourão Voltado”, registrada no CD “Algumas pra dançar, outras pra ouvir”, pra o ouvinte familiarizado com o artista e a cidade se teletransportar imediatamente para uma distante e amada cidade do sol. Pois agora, com o CD Cineclube, o som de Babal torna-se duplamente evocativo ao investir num repertório que toma o mundo simbólico de algo por sua natureza já bem evocativo como é o cinema dos clássicos anos 60 como ponto de partida para um punhado de composições.

Quando não citam explicitamente os títulos de filmes que guardamos no coração como relicários culturais sagrados, as canções compostas com Lívio Oliveira têm letras com andamento cinematográfico, repletas de imagens que parecem costurar filmes em curta metragem igualmente representativos de um certo estado de espírito muito a propósito daquela velha Natal de que se fala aqui. Os versos que misturam botas, tênis e seios roçando braços dentro de um carro na faixa “Sem destino” (“Tu eras Janis e eu, Jim / de hortelã e de alecrim”), que remete tanto ao cinema quanto aos ícones da música da época, são um exemplo.

Tenho poucas informações sobre Lívio Oliveira, mas de longe me parece um daqueles casos de pessoas a quem os tribunais de bar da cidade cobrem de reservas, por invocar uma poesia distante dos minimalismo em vigor. Vivemos uma era em que qualquer excesso – estético, emocional – é censurado de pronto como uma manifestação de mau gosto. Pois tenho a impressão de que sem um pouco de excesso não se chega ao essencial, embora as duas pontas dessa equação pareçam tão distantes. O fato é que sem derramamentos eventuais não se tem uma letra e música emocionada à flor da pele como é a canção “Vamos pegar uma tela”, que Valéria Oliveira interpreta no CD Cineclube como se arrancasse, um por um, com uma pinça de carne e dentes crivados, os pelos dos braços da nossa sensibilidade. Ouço e penso no samba “Cinema Novo”, do disco Tropicália II, de Caetano e Gil. Enquanto os baianos fizeram uma crônica-colagem em ritmo de pandeiro, os potiguares investiram numa pungente sucção sonora de emoções que cinéfilos guardam no peito como punhais de estimação. No canto, Elis Regina não faria melhor.

Sempre que vou a Natal, procuro “o último CD de Babal” como quem caça a pepita da estação. Claro que nem sempre há – a freqüência com que vou à cidade e com que o músico lança um petardo novo não poderia ser a mesma. Pois nas férias recentes de meio de ano, a intuição me levou à livraria do Praia Shopping com a desconfiança de que, quem sabe? E lá encontrei este “Cineclube” que, entre o encontro com os amigos, uma visita em que acabei barrado no Forte dos Reis Magos e uma estada agradável em meio à turistada Classe C entre Areia Preta e Praia dos Artistas, valeu a viagem.

Melhor que isso, do ponto de vista mais sensitivo, só a lembrança do dia em que vi e ouvi Babal no nosso estimado TAM cantando a minha preferida, “In Tecnicolor” (que cansei de ouvir no rádio ou num gravador muito pré-MP3 na interpretação do conjunto Flor de Cactus quando tinha 16 anos e habitava como estudante secundarista os tabuleiros de Jundiaí, em Maqueibo Citi). A circunstância desse show de Babal no TAM era uma tentativa sem sucesso de voltar a morar em Natal. Era uma nova despedida da cidade, era uma preocupação com o estado do meu pai que eu deixava com saúde prejudicada no interior, e tudo isso diante daquela música tão importante pra mim resultou num choro secreto que não é comentado aqui à guisa de exibição, mas de informação para aquilatar o valor que um artista – inclusive, e por que não?, “da terra” – pode ter para um ouvinte. Um só.

Agora imagine você essa impressão multiplicada por milhares de ouvidos, dezenas de milhares de mentes atulhadas de memórias, centenas de milhares de corações em busca de um alento que os lembre deles mesmos em outros momentos, diversas situações. Isso é música, mas também é cinema. É, quadro a quadro, o “Cineclube” de Babal e Lívio Oliveira.

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