terça-feira, 30 de agosto de 2011

Mundo incerto, Brasil plural




A instabilidade joga a nosso favor, raciocina, contra a corrente, o agora novamente ministro Celso Amorim

É sempre bom reparar melhor em quem vive debaixo das pedradas generalizadas dos veículos de comunicação que formam a grande mídia brasileira. Digo isso a propósito de Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores no governo Lula e agora alçado ao posto de ministro da Defesa do governo Dilma. Antes de chancelar as tarjas pobres que os filhos da editora Abril tacam no homem, não custa nada ler um pouquinho das ideias do dito cujo. E uma bela amostra está no último artigo escrito por Celso Amorim na revista Carta Capital, publicado na edição da semana passada. Muito se fala em instabilidade no sentido não necessariamente político, mas filosófico - na direção de o ser humano conseguir se situar minimamente em meio a um mundo tão conturbado e carente de qualquer garantia do que quer que seja. Pois Amorim, no artigo da Carta Capital, traça esse tema como não se vê nunca no meio político, ao aplicar o assunto, aí sim, à grande política, aquela que remete menos às faxinas de conveniência e mais ao grande jogo de interesses do tabuleiro das relações internacionais. E mais não é preciso dizer: é ler os trechos selecionados do artigo, transcritos abaixo:

"Tudo isso faz pensar em uma crise de valores, que vai muito além de um fenômeno puramente econômico ou político e que nos obriga a uma reflexão profunda. Minha geração, que cresceu no pós-Guerra, foi formada em torno de certezas que não mais se sustentam. A esquerda via no socialismo a esperança de salvação não só do proletariado, mas de toda a humanidade. Teve de ajustar seu discurso e, mais que isso, sua visão do mundo a uma realidade sem paradigmas concretos a serem seguidos. De alguma maneira, reinventou-se com base em movimentos de trabalhadores e na defesa de outras causas nobres, como a igualdade de raça e de gênero, a defesa de padrões sustentáveis de vida e o exercício de uma práxis solidária, tida por muitos como irrealista."

"Essencialmente, trata-se de encarar o mundo como ele é, sem os confortos de uma inserção automática, de um lado ou de outro do espectro político. Àquela época, feita a escolha inicial (ou, na maioria das vezes, aceita a condição que decorria de nossa situação no centro ou na periferia), éramos “poupados” de escolhas subsequentes. Nesse “admirável mundo novo”, que sucedeu não só a Guerra Fria, mas de certa forma o “pós-Guerra Fria”, não há agendas prefixadas nem opções predefinidas. Em política externa, como queria Sartre para os indivíduos, estamos “condenados” a ser livres. Há algo de muito positivo nisso, como vimos no caso das negociações da Alca ou mesmo do Acordo -Mercosul-União -Europeia, em que nossa atitude firme impediu, de forma surpreendente para muitos, que embarcássemos em arranjos comerciais que teriam, no mínimo, agravado os efeitos da crise financeira de 2008. Naqueles dois casos e na ênfase na integração da América do Sul e na busca de diversificação de parcerias, ficou claro que nosso País tinha não só a capacidade de posicionar-se sobre os temas de uma agenda imposta de fora, como também de – algo novo para nós, pelo menos nessa escala – de “criar” nossa própria agenda."

"Não devemos rejeitar o que a tradição ocidental nos legou: a força da razão e a busca da justiça com liberdade. Mas o Brasil é um país plural. É sul-americano- (e não nos esqueçamos que a América do Sul é tão indígena e afrodescendente quanto europeia). É, também, parte do mundo em desenvolvimento, da mesma forma que nações de outros continentes, como a Índia e a África do Sul, com as quais temos interesses comuns e afinidades, como tem sido demonstrado em -foros econômico-comerciais (como o G-20 e a OMC) e políticos (como o Conselho de Segurança). Não podemos nos limitar a opções únicas. Ou, muito menos, deixarmo-nos cercear pelo pensamento único. Temos de nos relacionar de maneira diversificada, não só na economia, mas também na política. Temos de enfrentar a “angústia” sartriana da escolha e deixar para trás os preconceitos, que, além de eticamente duvidosos, já não são operacionais para atuar no mundo de hoje, em que, mais do que nunca, a evolução dos fatos varre velhas certezas."

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