Renovadas pelas circunstâncias, as crises de agosto repetem os cacoetes simbólicos de sempre. Faxina, Cansei, CPI da Corrupção, é tudo arma linguística recorrente da má política brasileira
A gente vai ali dar uma caminhada de uma hora na avenida das Jaqueiras e quando volta parece que mudou de país ou de planeta. É tanto acontecimento em cima de acontecimento que o pobre cidadão não dá conta de se manter nem sequer informado de tudo – quando mais ter condições de construir qualquer análise ou opinião à altura do emaranhado político das últimas semanas. Quem, como eu, é motivo de riso para colegas de trabalho por ter mania de ler, na quinta, o jornal do domingo anterior, está, como se dizia antigamente, em palpos de aranha. Ou, no mínimo, com a impressão de que acionaram a tecla >> do DVD da vida, acelerando a ação do tempo real sem que a gente se dê conta, assim como não nos damos conta de que a Terra está girando o tempo todo. Em outras palavras: o jornal do domingo passado parece mais uma edição do semestre retrasado.
Pra ficar só no dia de hoje, cheguei da caminhada e, depois das tarefas caseiras regulamentares, vim pro trabalho sem ter tempo de abrir um portal sequer no computador. Ao fazê-lo, agora, assisto às novas intempéries do período que, se não são sensacionais como a demissão de Wagner Rossi em meio à rebelião anti-Henrique Alves na bancada do PMDB na Câmara, também não são nenhum PR (quer dizer, não são de jogar no lixo). Às notícias: 1) FHC não quer que o PSDB assine a tal CPI da Corrupção (a propósito, nem precisa criar essa CPI: o importante era criar o nome dela; todo o resto é detalhe); 2) Já tem um movimento “de massa” aí nascendo no Rio de Janeiro, com passeata marcada pra domingo na Cinelândia carioca; 3) PT está preocupado porque um dos efeitos dos escândalos todos é tachar o governo Lula de corrupto e mais nada; 4) O PR, mal saiu da base do governo, já quer voltar; 5) Nathalie Lamour vai se eleger deputada com a bandeira contra a corrupção; e por aí vai.
Dessa lista toda, o último item é o mais sintomático, embora seja pura ficção: é o mais simbólico quanto ao nível de prurido vigente em certa parte do espectro político que defende a tal “faxina”. No fim das contas, enquanto dura o maremoto discursivo feito com um evidente objetivo eleitoral futuro, o que fica é o simbólico, curiosamente o mais próximo da ficção. Ou alguém tem dúvida de que da última eleição para o Congresso o que mais ficou na mente do eleitorado geral da nação foi Tiririca? Então: Nathalie Lamour é o resumo auto-irônico dessa opereta de cidadãos de bem sem nenhum interesse no bolso. E no campo do simbólico, nada mais sintético – e eficiente – do que a palavra. Por isso que não há nem necessidade de CPI, basta que ela tenha um título pomposo de fácil deglutição popular mesmo sem ter sido criada. CPI da Corrupção é um ótimo sinônimo para “faxina” – palavra que, por sua vez, faz lembrar uma outra, já meio esquecida no vocabulário político-jornalístico brazuca: “cansei”.
Todo esse dicionário, no fim das contas, deságua na mesma frase-objetivo, na mesma sentença-recorrente, em idêntico texto-padrão. Neste sentido, é mera distração a maratona de acontecimentos que, como um filme de ação, não deixa tempo para o espectador avaliar nada – ele mal consegue respirar enquanto segue o tiroteio de cenas, numa posição muito semelhante à dos jornalistas do tempo atual. O fundamental é imóvel como as Minas Gerais daquele velho ditado político: não sai do canto desde Getúlio Vargas. Pra valer, o único que consegue mexer um pouco as peças do tabuleiro é o aclamado e combalido Lula que por sinal anda bem calado. Não por muito tempo, imagino. E mais não arrisco, até a próxima caminhada na avenida das Jaqueiras.
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