quinta-feira, 10 de março de 2011

Cabanada


Paulo Coelho - e não William P. Young, o galego aí da foto ao lado - poderia ter escrito este livro ocasional que, como tantos outros assim feitos, caiu no gosto médio do mercado leitor de consumo e não desce nem a pau do topo da lista dos mais vendidos. Não sei se vale a pena gastar linhas para dizer que “A cabana” trata do confronto entre um reles ser humano arrasado pelo assassinato brutal da filha caçula de cinco ou seis anos e o poder algo movediço e inexato da própria trindade divina – e quem, como eu, fez um catecismo bem feitinho sabe que me refiro às três pessoas de Deus (pai, filho e espírito santo, que escrevo aqui em minúscula para não comprar briga com os leitores mais nitcheanos, caso eles existam, do que muito duvido). Enfim: o plot é básico, o gancho fica logo muito claro e a abordagem, como se pode imaginar, é artisticamente didática. Tudo o que se espera de um livro desse tipo nos dias de hoje.

Mas não me apraz condenar o livro, sua vendagem e seu culto, por mais que me envergonhe intimamente de certos comentários tão comuns que a gente ouve hoje em dia quando está inocentemente olhando as novidades diante de uma prateleira de livraria. Por sinal, o leitor do blogue pode estar se perguntando : como é que ele lê num mês a biografia barra pesada de Lobão tendo lido na semana anterior este banal “A Cabana”? Curiosidade, meu filho, curiosidade. Coisa crônica. Vício – e tão maldito quanto aqueles outros, não se engane. Reprovável por reprovável, cada um tem a sua mania.

Acontece que, por trás da narrativa autobiográfica de Lobão e das linhas edificantes deste “A Cabana” está, no fim das contas, a mesma dúvida. É a incerteza sobre a transcendência do humano que move tudo, aquela abelhinha metafísica que volta e meia pousa na orelha dos que se dispõem ou não a ouvir seus zumbidos. Talvez tenha sido ela a causa do ato revoltoso de Van Gogh ao arrancar a própria, quem sabe? Mas, divagações à parte, “A Cabana” e seu êxito comercial se explicam pelo seu formato de manual narrativo dessa nova religiosidade – ou do que há de melhor entre elas, vide que agora os evangélicos arrebanham até os filhos do outrora impávido Caetano Veloso .

É uma religiosidade plana, acidentalmente zen, estruturalmente suspensa: a busca de respostas sobre o insondável feita completamente à margem de dogmas e ritos. Religiosidade pura. Mercantilizada sim pela indústria editorial, mas o que não é no formato de humanidade que afinal de contas praticamos hoje de Hong Kong a Parnamirim?

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