Não sei se já disse aqui, mas meus ouvidos são tarados pela voz, pelo timbre e pela maneira de cantar de Cida Lobo, artista da terra Natal. Quando eu ouço Cida Lobo - tenho um único CD dela, aquele que tem a música sobre a feira do Alecrim - é como se sentisse um favo de mel se derretendo nas profundezas da minha audição. Ela é melosa, mas não enjoa. É terna, mas sabe agredir com doçura. Pronuncia cada palavra como quem mastiga o coração de um ouvinte fatigado de bobagens alheias. Canta como uma guitarra dolente, vibra como uma corda cortante. Cida Lobo recoloca cada coisa no seu devido lugar e, matreira e moleca, logo espalha tudo de novo. É ouvir, babar e sorver.
Também já disse por aqui do tanto que gosto da musicalidade de Valéria Oliveira. Se Cida Lobo é caldo doce e fervente, Valéria é punhal de prata. A voz de Valéria parece assim uma lança afiada, uma agulha madura costurando no ar as notas certas de canções que tanta gente não soube valorizar a tal ponto. Cida é Gal na fase tropicalista; Valéria é Elis no alvorecer dos anos 80. Entricheirado entre as duas, sou um ouvinte completo, refestelado entre as caixinhas de som que enchem a sala com detalhes mil de uma cantoria quase sagrada quando as circunstâncias, o silêncio em volta, a concentração e o relaxamento permitem.
E aí, quem me aparece? Kristal, cujo nome nem sei escrever corretamente - e nem vou me dar ao trabalho de entrar no Google para corrigir. Vocês sabem de quem estou falando. Foi assim: todas as vezes em que vou a Natal, Titina ou outra pessoa me fala, "ó, vai ter show de Kristal, ela é demais, você tem que ver e ouvir". Evidentemente, eu nunca consigo assistir a show algum nesses pequenas temporadas em Natal, especilamente depois que a família virou família mesmo. Mas as sugestões, as indicações, as recomendações sempre ali, independente da minha indiferença. Já estava achando que era exagero. Se eu já tinha Cida e Valéria, o que a tal Kristal poderia acrescentar? Como não sou teimoso, numa dessas temporadas comprei o CD de Kristal e trouxe comigo. Até ouvi - mas eu já devo ter dito aqui centenas de vezes que as circunstâncias são tudo e um pouco mais. Ouvi, mas não devo ter escutado - vocês me entendem.
Como dizem os contadores de histórias populares, passou. Outro dia, não sei por que, essas coisas não têm nunca uma explicação lógica, botei pra tocar o CD de Kristal. Era um momento silencioso em casa, uma hora de pouco movimento, acho que havia acabado de colocar Bernardo pra dormir, noite tipo 22h, devia haver um luar se insinuando da varanda. Não quero estragar a poesia do momento que antecede esta nova audição, mas acabo de lembrar de algo importante. Eu havia sido informado há pouco tempo que Kristal foi a intérprete escolhida pelo nosso amigo Adriano de Sousa para cantar o jingle de Fátima Bezerra, candidata à Prefeitura de Natal. Convém prestar muita atenção nas escolhas do exigente amigo Adriano e talvez tenha sido esse o estalo meio inconsciente que me fez tirar o CD de Kristal das gavetas e botar o bicho pra rodar.
Qual nada: a sala de repente se encheu de uma sonoridade plena, pontuada de sonzinhos e sonzões, artefato sonoro de rendilhados vários, percussão dominante, comentário sibilante aqui e ali de uma guitarra meio Paulo Rafel-Alceu Valença, de uma safona-dominguinhos, clássicos da neomúsica pernambucana revistos e refeitos como jamais se espera. Kristal pega temas como um côco que Lenine modernizou e dá-lhe releitura, com camadas e mais camadas de inventividade sonora. Pega um Mestre Ambrósio e descasca a letra, dando-nos a entender uma segunda dimensão da cantiga. Lança mão de um item do cancioneiro de Cátia de França e o recobre com uma mistura de raggae que logo se transforma em um rock algo hard, "lá vem Batista com pedras na mão, mistura de Carcará com Lampião".
Uma força, uma pisada que levanta a poeira sonora do chão, uma energia que, ao contrário do que eu pensava de tanto ouvir falar dela, não vem necessariamente da voz - mas do diálogo que essa voz tem a humildade de estabelcer com a embalagem sonora em volta. A voz - que, imagino, nos shows é realmente mais intensa - no CD é um instrumento a mais, em perfeito alinhamento com os demais, ancorando a musicalidade geral do disco, recriando em conjunto com os instrumentistas o que a execução costumeira havia adormecido naquele punhado de composições.
Cida é Gal tropicalista, Valéria é Elis no alvorecer dos 80? Pois Kristal é Gilberto Gil endiabrado, sorvendo gororobas regionais com bebidas energéticas de coloração pop. Gil feito mulher como Caetano jamais sonhou.
Também já disse por aqui do tanto que gosto da musicalidade de Valéria Oliveira. Se Cida Lobo é caldo doce e fervente, Valéria é punhal de prata. A voz de Valéria parece assim uma lança afiada, uma agulha madura costurando no ar as notas certas de canções que tanta gente não soube valorizar a tal ponto. Cida é Gal na fase tropicalista; Valéria é Elis no alvorecer dos anos 80. Entricheirado entre as duas, sou um ouvinte completo, refestelado entre as caixinhas de som que enchem a sala com detalhes mil de uma cantoria quase sagrada quando as circunstâncias, o silêncio em volta, a concentração e o relaxamento permitem.
E aí, quem me aparece? Kristal, cujo nome nem sei escrever corretamente - e nem vou me dar ao trabalho de entrar no Google para corrigir. Vocês sabem de quem estou falando. Foi assim: todas as vezes em que vou a Natal, Titina ou outra pessoa me fala, "ó, vai ter show de Kristal, ela é demais, você tem que ver e ouvir". Evidentemente, eu nunca consigo assistir a show algum nesses pequenas temporadas em Natal, especilamente depois que a família virou família mesmo. Mas as sugestões, as indicações, as recomendações sempre ali, independente da minha indiferença. Já estava achando que era exagero. Se eu já tinha Cida e Valéria, o que a tal Kristal poderia acrescentar? Como não sou teimoso, numa dessas temporadas comprei o CD de Kristal e trouxe comigo. Até ouvi - mas eu já devo ter dito aqui centenas de vezes que as circunstâncias são tudo e um pouco mais. Ouvi, mas não devo ter escutado - vocês me entendem.
Como dizem os contadores de histórias populares, passou. Outro dia, não sei por que, essas coisas não têm nunca uma explicação lógica, botei pra tocar o CD de Kristal. Era um momento silencioso em casa, uma hora de pouco movimento, acho que havia acabado de colocar Bernardo pra dormir, noite tipo 22h, devia haver um luar se insinuando da varanda. Não quero estragar a poesia do momento que antecede esta nova audição, mas acabo de lembrar de algo importante. Eu havia sido informado há pouco tempo que Kristal foi a intérprete escolhida pelo nosso amigo Adriano de Sousa para cantar o jingle de Fátima Bezerra, candidata à Prefeitura de Natal. Convém prestar muita atenção nas escolhas do exigente amigo Adriano e talvez tenha sido esse o estalo meio inconsciente que me fez tirar o CD de Kristal das gavetas e botar o bicho pra rodar.
Qual nada: a sala de repente se encheu de uma sonoridade plena, pontuada de sonzinhos e sonzões, artefato sonoro de rendilhados vários, percussão dominante, comentário sibilante aqui e ali de uma guitarra meio Paulo Rafel-Alceu Valença, de uma safona-dominguinhos, clássicos da neomúsica pernambucana revistos e refeitos como jamais se espera. Kristal pega temas como um côco que Lenine modernizou e dá-lhe releitura, com camadas e mais camadas de inventividade sonora. Pega um Mestre Ambrósio e descasca a letra, dando-nos a entender uma segunda dimensão da cantiga. Lança mão de um item do cancioneiro de Cátia de França e o recobre com uma mistura de raggae que logo se transforma em um rock algo hard, "lá vem Batista com pedras na mão, mistura de Carcará com Lampião".
Uma força, uma pisada que levanta a poeira sonora do chão, uma energia que, ao contrário do que eu pensava de tanto ouvir falar dela, não vem necessariamente da voz - mas do diálogo que essa voz tem a humildade de estabelcer com a embalagem sonora em volta. A voz - que, imagino, nos shows é realmente mais intensa - no CD é um instrumento a mais, em perfeito alinhamento com os demais, ancorando a musicalidade geral do disco, recriando em conjunto com os instrumentistas o que a execução costumeira havia adormecido naquele punhado de composições.
Cida é Gal tropicalista, Valéria é Elis no alvorecer dos 80? Pois Kristal é Gilberto Gil endiabrado, sorvendo gororobas regionais com bebidas energéticas de coloração pop. Gil feito mulher como Caetano jamais sonhou.
3 comentários:
Kristal é uma ótima cantora, sim. As outras duas, também. Enfim, mais uma vez, você usa as palavras certas para exprimor com maestria os seus sentimentos. Um abraço.
Aff!! Foi demais para o meu coração!!
Tião isso foi uma declaração de amor a nossa música, a nossas cantoras que assim como muitas de nosso país nos fazem orgulhar de viver.
Avisei a Valéria que vai repassar pra Cida. Avisei pra Kristal também.
Muito lindo!!
olá Tião!
obrigada pelas palavras!
prabéns plo blog!
khrystal
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