quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Sentado à beira do caminho

Várias vezes, ao longo de "O Mundo é Plano", livro que escreveu para contar a história de como o mundo mudou da água para o vinho neste breve início de século XXI, Thomas L. Freedman faz a mesma pergunta a seus entrevistados. "Quando foi que você percebeu que o mundo ficou plano?" Aqui em Acari, instalado no meu posto de observação sempre míope mas que afinal é o que resulta de minhas andanças por aí, em plena rua da Matriz, sentindo a brisa agostina que em nada lembra o mormaço fevereiro, me vem uma resposta.

Eu devo ter percebido que o mundo se tornou plano quando sentei pela primeira vez nesta cadeira de plástico neste local, a rua da Matriz, e deixei o tempo passar enquanto via caminhões descendo, Jardinenses subindo, carrocerias gigantescas indo e vindo, caminhões-baú pra lá e pra cá na forma de anúncios volantes, out-doors sobre seis rodas, marcas famosas a meio caminho entre Campina Grande e Natal, cruzando esta pequena e sugestiva cidade. Acari, rasgada ao meio, fez-se plana, como este novo mundo onde intenet rima com call center na Índia, terceirização globalizada e cabos invisíveis que ligam tudo a tudo, nada a nada, contradições, que não são poucas, incluídas.

Agora estou de volta e, como é agosto, há um clima de animação com ambições de se fazer feérico - até domingo, de fato, tal nível vai chegar. Como é meio de semana, a festa da padroeira só faz figura na trilha sonora meio incidental que vem da igreja, onde reza-se a novena de Nossa Senhora da Guia, e nas ainda mal aquecidas luzes do vasto parque de diversões. Quando a novena acabar, o burburinho aumentará um pouco, o luzir nervoso da diversão imprescindível se intensificará, mas num quadro ainda distante do que o espolcar final do fim de semana promete - uma uma algaravia bem pouco religiosa, já nem tão comunitária e por isso mesmo menos interessante, por exemplo, do que o singelo ciclo natalino dos acarienses feitos por e para eles mesmos.

Por isso, dezembro me emp0lga mais. Mas agosto tem seus mimos, como a brisa ligeriamente fria, especialmente agora que o inverno foi generoso. Ainda falta ver a sangria do Garga que - acreditem - continua, com exibicionismo perenizante, como a se estender para além dos prazos naturais somente para não deixar de se mostrar a quem a ela ainda não conseguiu ver.

E a propósito do livro de TLF citado lá no início, convém esquecê-lo. A radiografia da planificação do mundo é perfeita mas, como bom propagandista norte-americano, o homem, terça parte do livro à frente, põe tudo a perder com os sempre mastigados chavões sobre Bin e os quarenta terroristas do Afeganistão, sem se afastar muito da cantilena sobre liderar o mundo com seu exemplo de empreendedorismo democrático. Nem tanto, seu TLF.

Mas isso é prólogo de postagem represada: o que se queria mostrar já foi. Que era: você quer testar o seu nível de globalização intelectual? Então bote sua cadeira na calçada de uma cidade pequena e veja subir e descer caminhões carregados de mercadorias e ônibus lotados de pessoas. Enquanto você curte sua imobilidade poético-geográfia, o mundo dança à sua volta, carregando flores de Holambra ou regriferadores das Casas Bahia. De vez em quanto, uma velhinha beata passa pela rua com seu pobre vestido desborado, lembrando que, assim como a era global, a vida real também não é uma ficção. Tudo existe, tudo dança. Inclusive você.

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