sexta-feira, 15 de agosto de 2008

O novo Ribeirão


Em Pipa, o idioma extra-oficial é o italiano que a gente ouve na rua, nas mercearias, na barraca da praia. Em São Miguel do Gostoso, o dialeto dominante é o mesmo do interior paulista. Fala-se "ribeirês" no Quintal, sossegado, escurinho e aconchegante recanto próximo à praia da Xepa, onde se sorve um doce açaí e se saboreia pizzas servidas já em porções individuais, massa fina, gosto bom. Atendimento dez, conversa fora entre o cliente e o proprietário, ex-atendente de loja que trocou o trabalho em um shopping center de Ribeirão Preto pela vida semiselvabem, no bom sentido, sob o luar e sobre as areias de Gostoso.

Pois Gostoso, descobrimos, vem se tornando um enclave de Ribeirão Preto na costa oeste potiguar. O sogro do dono do Quintal é, por sua vez, dono de um pousada à beira-mar e foi quem arrastou a família para a mística desse lugar ainda tão marcado pela luz humana que só as praias de pescador têm. Lugar que lembra Exu Queimado (ou seria Enxu, como vi nos guias? Não sei) – outra praia, esta mais primitiva no melhor sentido, que fica um pouco além de Gostoso e onde estive um dia, no alvorecer dos anos 80.

Mas a descoberta de Gostoso pelos paulistas de Ribeirão faz a diferença. Se há um símbolo dessa ocupação silenciosa, é a super-casa à beira do mar, ao lado da Pousada dos Ponteiros – a mais famosa do lugar – equipada com um gramado de matar de inveja o mais burlemarxiano dos jardineiros, com um lago artificial digno de figurar em um daqueles quadros da pintura primitiva e coqueiros taitianos ondulando a visão. Convive com os ribeirões exilados o povo local, gente de boa conversa que trata de igual para igual com os turistas mais descolados. O dono de um restaurante local conta que a super-casa pertende a um usineiro de Ribeirão que, para aferir o valor do imóvel, anunciou a propriedade via internet pela bagatela de R$ 6 milhões – e apareceram, rapidinho, três interessados.

História de pescador – ou a façanha é mais uma pérola verbal de um bom pescador de histórias? Prosas de Gostoso, onde a palavra corre solta e livre pelo vento com os grãos de areia da praia que você não resiste e experimenta fazer correr entre os dedos.

Nenhum comentário: