quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Torquato, de perto


Na era que aos poucos vai extinguindo os lançamentos de discos, essa antiguidade de que a gente tanto gosta, nada como ler coisas escritas em um certo - e tão idealizado - passado para botar cada coisa em seu devido lugar. Corria o final dos anos 60 no Sudeste brasileiro e algumas sociedades lutavam pelo monopólio do bom gosto musical. MPB versus um negócio chamado iê-iê-iê. Não podia dar em outra coisa, mas a gente que lê livros, percorre biografias, investiga movimentos e atiça a curiosidade imagina que não seria para tanto.

Falando diretamente: estou lendo, impressionado, o livro que ganhei do nosso amigo Roberto Homem no Natal do ano passado. É é uma coletânea de textos publicados na imprensa - basicamente três colunas de jornais - pelo tropicalista Torquato Neto, o letrista de "Geléia Geral" e "Mamãe, coragem", o ideólogo paralelo do movimento esboçado por Gilberto Gil e que acabaria ficando na história da música brasileira muito mais com a cara de Caetano Veloso. Torquato foi defensor aguerrido da música sem guitarra na era dos festivais e em seguida "desbundou" em defesa de um acento pop para a música brasileira na passagem dos 60 para os 70. Acabou se mantando em 72, aos 28 anos, com um recado em que foi muito claro - "pra mim, chega".

Pois bem: ler as colunas (editadas na íntegra, e na íntegra até demais, porque incluíram até as notinhas pra lá de datadas que acompanhavam os textos maiores) de Torquato nos tempos do jornal "Última Hora" é como acompanhar um blogue daqueles tempos. A surpresa é o tom entre agressivo, simplista e atrasado mesmo. É impressionante perceber o que significava naqueles tempos o lançamento de um disco. Parecia assim com o anúncio da descoberta de um novo planeta. Um disco era um disco era um disco. Nem de longe a banalidade dos tempos atuais, mas aí é que está: a facilidade atual permite muito mais. Naqueles tempos, 68, 69, tudo era muito policiado, à direita e principalmente à esquerda. Polícia política e polícia estética. Só lendo para crer.

E o primarismo de boa parte das primeiras colunas de Torquato é também de impressionar. Tá bom, eram as primeiras. Mas o crítico do iê-iê-iê chega a reclamar da gravadora Phillips, que não lhe enviava discos gratuitamente para ele comentar. Eu já estava ficando incomodado com essa situação quando felizmente Torquato mudou de jornal, foi para o extindo Correio da Manhã, e iniciou sua fase de "desbunde". Neste momento, outro Torquato surge na cena aberta da imprensa da época: o texto enlouquece calmamente, as picuinhas estéticas antiguitarras cedem lugar a uma linguagem alusiva que nem sempre se preocupa em ser tão exatinha - e, nisso, mesmo eventualmente hermética, torna-se muito mais expressiva sobre o que pretende dizer ao analisar a música que se fazia então.

É neste ponto em que estou (há recaídas, mas eu agüento). Minha esperança maior é quanto ao segundo volume, um outro livro (que Roberto deu de presente de Natal para Rejane mas do qual eu me apossei). Neste, a capa, mostrando um Torquato cabeludo e de ar poético-marginal-viajandão, já anuncia material melhor. E então é como dizia o outro, "de perto ninguém é normal", uma verdade que a republicação, praticamente sem edição, dos escritos de TN vem reafirmar.

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