segunda-feira, 9 de junho de 2008

Geléia, calções e o aquecimento global


Desde que esse blogue começou a ser feito, há uma postagem que eu quero escrever e acabo sempre adiando. O curioso é que se trata de um assunto da maior importância, embora de caráter absolutamente doméstico. Para vocês verem que nem sempre um assunto comum e cotidiano, diria mais, de natureza praticamente familiar, pode ser julgado como insignificante diante dos grandes dilemas mundiais. Pois este é bem o caso: quero falar, com um atraso de mais de um ano, sobre duas coisas que para mim são vitais do ponto de vista da sobrevivência mesmo da vida no planeta. Não se assustem, que não me refiro ao aquecimento global nem ao crescimento desordenado das nossas cidades - embora as duas coisas de que quero falar tenham, por outra perspectiva, tudo a ver com esses dois dramas mundiais. Afinal, você deve estar se perguntando, que assunto tão importante é esse que o Sopão remexe, remexe, remexe, mas nunca bota na mesa?


Como diria o professor Moacyr Cirne, elementar, meus caros: a geléia de Iolete e os calções de Nazaré. Surpresa? Nenhuma, em dois parágrafos eu provo por a mais b que esses dois produtos made in Acari têm muito mais a ver com a manutenção da boa qualidade de vida na Terra do que supõe a nossa vã militância radical-chic-ecológica. Pois bem: há coisa de dois anos, eu não começo o dia sem antes comer um pouquinho que seja da geléia de Iolete, desde a bentida data em que a descobri, nem sei mais exatamente como, mas certamente numa das visitas períodicas que fazemos eu, Rejane e os meninos a Acari. A geléia de Iolete é vendida num potão deste tamanho, por módicos R$ 6 (preço praticado na Rede Seridó de supermercados, segundo me informa etiqueta), mas, sem querer inflacionar o mercado, digo com tranqüilidade que poderia custar muito mais - por baixo, uns R$ 10. Tem a textura certa da boa geléia de goiaba, o doce no ponto exato, a consistência ideal que só o produto artesanal já alvoroçadinho para se tornar de amplo consumo consegue. Por isso, aqui em casa praticamente não entram mais essas geléias compradas no supermercado. Não tem por quê. Além do mais, o pote que a gente compra quando vai a Acari demora uns três meses para acabar (como todo dia, em cima do pão, no café da manhã, mas bem pouquinho, porque da moderação depende a vida sobre a Terra, vocês sabem). E, quando acaba, sempre vem alguém de Acari pra Brasília e minha cunhada Sandra, conhecedora de meus caprichos culinários, manda outra embalagem lacradinha.


Vocês tenham paciência com essa lorota familiar que no parágrafo seguinte eu prometo ampliar a questão e dizer onde, finalmente, a geléia tangencia o aquecimento. Este aqui tenho que gastar explicando que é também minha cunhada Sandra a pessoa responsável pelo segundo produto made in Acari que faz parte da minha vida. São os calções de Nazaré, costureira supimpa que regularmente confecciona especialmente para mim calções caseiros, daqueles frouxos e confortáveis, atados com elástico que é para não causar refluxo e outras enfermidades afins, em tecidos leves como sugere o nosso clima e em estampas que Sandrinha escolhe no capricho (ou então, iguais às estampas de uma peça de roupa ou outra que ela fez para Rejane e aí restou um tecidozinho e, permaculturalmente falando, se dá um jeito de aproveitar a sobra). Os calções de Nazaré acabam me saindo de graça - são um presente que Sandra me manda regularmente, quando eu menos espero. É verdade que nos últimos meses, depois que Cecília e Bernardo chegaram e cresceram, eu fiquei meio em segundo plano. Os dois recebem pilhas de roupinhas - Bernardo tem bermudas e camisas de gola suficientes para até quando fizer 15 anos; Cecília quase estréia uma "jardineira" por dia - enquanto eu vou ficando no canto, tendo que recorrer à velha Riachuelo de guerra.


Resumo da ópera, digo, da loja: consumindo a geléia de Iolete, eu faço minha parte aqui, dou minha contribuiçãozinha para o fortalecimento do comércio regional, meu incentivo para que o planeta não vire uma grande planta industrial (embora, alto lá, eu aprecie muito um produto industrial também, cada coisa em seu lugar), meu pequeno gesto de reconhecimento ao trabalho de uma pessoa que divide com os nossos paladares o seu talento para fazer doces, tira dele um sustento, dá, com ele, sua contribuição para a economia da terra - lendo-se aqui a palavra economia num sentido menos numérico e mais (eco)lógico. Por isso, pensando globalmente e agindo localmente como diz o ditado, para mim há momentos que a geléia de Iolete é muito mais importante do que a Nestlé e a Sadia juntas.


E quanto aos calções de Nazaré, vale raciocínio semelhante. Uma vez Manoel de Barnabé, lá de Acari, perguntou a Sandra por que danado eu uso os calções de Nazaré quando a moda é o das lojas (Manoel é comerciante, também faz a parte dele, mas quis puxar a sardinha para sua banca, eu compreendo). Pois eu aproveito para responder: e por que danado os calções de surfista da C&A ou as bermudas de tecido sintético de plástico da Rener são melhores do que os de pano macio que Nazaré costura? A minha moda faço eu, recorrendo ao produto de melhor qualidade, e ainda por cima personalizado (a não ser quando eu saio com o calção e Rejane com a calça comprida feitos na mesma estampa) que Nazaré costura só pra mim. Aliás, antes que se pense que estou fazendo propaganda encomedada, adianto que nem conheço pessoalmente nenhuma das duas. Nem Nazaré nem Iolete. Mas provando da geléia da primeira e usando os calções da segunda, é como se elas fossem, como se diz no interior, "de casa". E são mesmo, afinal o produto do trabalho delas está sempre na mesa e nas gavetas daqui de casa.
Viva a geléia de Iolete e os calções de Nazaré! E outros produtos que existem por aí, feitos nas pequenas cidades de indústria incipiente mas tocada com carinho e dedicação por este sertão brasileiro afora. Você que me lê agora certamente lembrou de algum produto similar à geléia de Iolete e aos calções de Nazaré que consome e não troca por outro. Pode ser um tipo de bolacha que só é feito em Caicó, pode ser aquela cocadinha que aquele menino vende todo santo dia na repartição onde você trabalha exatamente depois do almoço (havia um assim na Residência Universitário onde morei que, quando não aparecia, me deixava em profunda crise de abstinência). Pare e pense. Se quiser, anote aí nos comentários, só pra gente ter uma idéia de como este mundo, apesar de todo o seu lado sombrio, ainda está cheio de geléias de Iolete e calções de Nazaré, pelo bem do planeta e da humanidade.
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Legenda
Na foto, cadeiras de ferro e plástico que minha mãe comprou para a casa dela em Parelhas, vistas aí na casa de Sandra em Acari.

3 comentários:

Anônimo disse...

gostei do "permaculturalmente falando". e lembrei de um produto desses: o freviado ( ou friviado, sei lá como se escreve), que só existe em barra de cunhaú. é um tipo de grude (aquele, de extremoz), só que mais fofinho, menos oleoso e muito mais gostoso. e só tem lá, na barra. ah, e mostrei agora, aqui na tv, as fotos do mangai pra sérgio murilo e margot. fizeram o maior sucesso.

Anônimo disse...

Sou uma das suas leitoras de Acari, confesso que há dias não acessava o blog. Hoje ao abrir meu e-mail encontrei uma indicação de Sandra sobre este texto. Achei fantástico, você precisa saber dos rituais de Iolete para fazer os deliciosos doces. Segundo conta a tradição acariense, um de côco verde, só pode ser com o produto comprado em determinado local, quem sabe esses detalhes todos são as "meninas de Gabriel", também suas leitoras e fãs. Soube também que Iolete, por motivos de saúde vai deixar de fabricar os deliciosos doces, fiquei triste.

Anônimo disse...

Tião,
Acesso com frequencia sua pagina e adoro sua redação.Parabéns.
Acariense residindo em Natal, além dos doces de Iolete, não vou à Acari sem retornar com um bom Queijo de Coalho, daqueles que não se transforma em borracha ao levarmos aos fogo.Uma delícia.