quinta-feira, 15 de maio de 2008

Recado à morena Marina


Marina, morena Marina, você se mandou. Marina, ministra Marina, me faça o favor: não pinte esse seu rosto tão brasileiro com as mesmas tintas que borraram a cara de tantos outros dissidentes de luxo. Tudo o que a gente não quer é ver sua estampa amazônica e brejeira, da mulher brasileira real que tanto veneramos, fazendo pose no ambiente azul do Plenário do Senado. Nós nunca tivemos motivo nenhum para lhe desculpar - você só nos deu orgulho ao espelhar o povo brasileiro - mas se cair na tentação de, no Senado, fazer par com a independência individualista e improdutiva de um Eduardo Suplicy ou um Cristovam Buarque, aí sim, morena Marina, vai nos decepcionar. Porque as possibilidades reais do Brasil ser bem conduzido - não perfeitamente, não idealmente conduzido, repare na diferença - não podem ser desperdiçadas diante de convicções tão estritamente pessoais. É preciso alguma tolerância - ou muita, doses cavalares dessa espécie de espírito de renúncia política - para evitar que o banco onde foram parar Fernando Gabeira, Frei Betto, Eduardo Suplicy e Heloísa Helena ganhe mais um integrante. Desculpe o exagero da comparação, ex-ministra Marina: sabemos que você não tem nada a ver com Heloísa Helena. O que a gente se pergunta agora é até que ponto a senhora vai conseguir manter quieto o seu lado Fernando Gabeira.

A saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente é a mais simbólica, dolorida, nevrálgica perda registrada em todo o governo Lula. Arrisco dizer que supera, no aspecto em que vou me deter, a queda de José Dirceu e o afastamento de Palocci. Dirceu era muito poderoso, nunca é demais lembrar que sem ele não haveria Lula presidente eleito - e essa é a grande verdade que a mídia, o Brasil, os eleitores insistem em ignorar. Palocci não era menos forte, uma vez que a oposição junto com a mídia haviam conseguido despachar Dirceu. Depois deles, todos os demais eram coadjuvantes, apóstolos políticos em torno da mesa de Lula, cuja figura, sabemos agora graças às pesquisas (não ao noticiário) só se fortaleceu enquanto tudo isso acontecia e os tucanos e demos davam milho aos pombos. Mas, nessa massa comum do ministério geral, havia uma figura em especial, sempre discreta, sempre brasileiramente ponderada, humilde mas austera, silenciosa mas marcante.

Era Marina, não por acaso, Silva, como Lula - como tantos de nós, brasileiros que até 2002 não haviam tido a oportunidade de ocupar o espaço central do poder político ou nele se ver verdadeiramente representado. É isso o que faz da saída de Marina uma perda em especial: se você pensar bem, depois de Lula ela é a figura do poder que mais espelha o conjunto da população brasileira. Ex-seringueira, de origem muito pobre, da região mais esquecida do país, originária da floresta distante, de saúde precária, uma lutadora sob qualquer aspecto que se olhe. Que chegou lá junto com o projeto de Lula. Que se manteve lá por seis anos. Ecologista, rosto fincado e uma doçura brasileiramente linda. Uma mulher na encruzilhada que redefine o projeto de um governo popular neste instante crucial.

E aqui já estou entrando num segundo aspecto que faz da saída dela um momento singular. Foi através da resistência de Marina em liberar obras de grande impacto para o país que ficamos todos expostos ao dilema apenas esboçado até agora. O que queremos, um governo ecologicamente corretíssimo, que sacrifique possibilidades de maior desenvolvimento mas preserve o meio ambiente de qualquer risco? Ou admitimos que o Brasil é um país grande demais, com uma população imensa, que não pode se dar ao luxo de abrir mão de recursos naturais para gerar riqueza, em nome da preservação mais rigorosa? É este o nosso impasse atual. Nada de cartão corporativo, nada de vazamento de informação. Este é o dilema real, esse é o problema posto. Eu fico com a segunda opção - e informo para que você que me lê agora saiba, e você tem esse direito. Mas o fato é que há uma discussão no país e a saída de Marina deu a esse debate a dimensão que ele merece.

O governo, o próprio Lula segundo o que a gente lê nos jornais, considera que havia exageros por parte do Ministério do Meio Ambiente. O presidente da República pode ter o carinho enorme que tem pela ministra, como ademais todos os que acompanham a trajetória dela, mas ele tem que tomar decisões. A escolha de Carlos Minc, ecologista de perfil mais gerencial e que se anuncia como alguém que comunga da visão infra-estrutural da ministra Dilma, já sinaliza para esse caminho. O fato é que, seja quem for o sucessor, um governo tem que definir estratégias para o país, tem que estudar caminhos, avaliar opções e finalmente se decidir - e, uma vez se decidindo, precisa ter o distanciamento de manter o fundamental dessa decisão, sob pena de colocar tudo, planos, estratégias, ações preventivas, tudo por água abaixo. E nisso precisa ter o distanciamento que a relação pessoal nem sempre permite.

Talvez seja o que acontece também, em outro plano, entre nós que admiramos a morena Marina, que não queremos deixar de cortejar sua serenidade, mas que também ficamos, não sem antes muito refletir, com aquela segunda opção acima grosseiramente esboçada. Desculpe, ministra Marina, perdoe o nosso mal jeito, nossa cara perplexa e momentaneamente desesperançada, mas a verdade é que não estamos de mal. Não estamos mesmo de mal com você. Entendemos sua motivação, como compreendemos os objetivos do governo com o qual você contribuiu por tanto tempo. Antes de ser ministra, antes de ser ex-ministra, o que a gente espera é que você, de volta ao Senado, dê àquela casa a dignidade que a oposição ali presente - e parte do governo tão mal representado - nega ao povo aqui embaixo. Pensando bem, você continua espalhando sua credibilidade sem pintura, sua calma contida de brasileira testada na dura realidade que o país reservou à nossa gente. Você não ia nos decepcionar e, embora tenha deixado o governo, sabemos, intuímos - e tomara que estejamos certos, se não será bem pior para nós mesmos - não vai nos abandonar.

5 comentários:

Moacy Cirne disse...

Um belo texto. Para se pensar. Muito. Muitíssimo. Abraços.

Moacy Cirne disse...

Tião: recomendei o seu texto no Balaio de hoje. Um abraço.

Anônimo disse...

meu ecológico compadre,
mandei num e-mail a boneca do miolo do livro, que deve ir pra gráfica semana que vem. apois então faça-me a gentileza de revisar com finalmentes o bicho, pra gente seguir com o andor editorial. os outros dois que inauguram as Edições Flor do Sal - nosso pequeno atrevimento, na contramão do lugar e do tempo - já estão no forno da padaria off set. falta só o do senhor. quanto mais rápido aí, mais aqui. inté.

Anônimo disse...

Caro Tião,
Belíssimo, superlativo, poético, literário.
Sensatez e propriedade abolutas (aí vai pela comunhão total de idéias).
Grande abraço,
Silvério.
PS.: pediria autorização para divulgar para um grupo restrito de amigos eletrônicos. Claro que com os devidos créditos.

Sebastião Vicente disse...

Moacy: mais uma vez, obrigado pela divulgação.
Adriano: vou correr aqui e retorno o quanto antes.
Silvério: divulgue quanto e como quiser, o SOPÃO é nosso.