As nove histórias de J.D. Salinger; quatro pilhas de discos de vinil escoradas nas paredes com os de Cazuza encimando cada uma delas; a voz de Janis Joplin saindo da janela de um apartamento de um conjunto popular com alma pop e nome de pedra; um velho carro apelidado de "banheira" rodando rumo à casa de um amigo do amigo na zona norte; um fedelho genial e simpaticíssimo que aparece do dia para a noite e a quem logo apelidamos de Ptolomeu; umas domingueiras divertidas e intermináveis onde só quem não bebia era eu; um free atrás do outro pra compensar a sobriedade e suportar até quando desse a bebedeira do amigo querido; um velho vinil de Vitor Ramil que é muito mais do que uma rima pobre; uma fita cassete roubada de uma amiga com os melhores blues de Angela Roro; Jô partindo para Jardim com um carregamento extra de Todinho no bisaco; um conjunto de sofá vermelho e uma cozinha que servia de bar numa casa do conjunto Neópolis; uma pilha de filmes em vídeo alugados na locadora de Bal, no Posto Planalto; um controle remoto que, de tão amistosamente disputado, ganhou o apelido de "força" ("ei, quem tá com a força?"); três livros de memórias de Elias Canetti observando tudo calados lá na estante; uma noite especial no tal apartamento do lugar com nome de pedra em que a tevê passou pela primeira vez o especial de uma desconhecida chamada Marisa Monte (ao qual assistimos babando); um resto de reveillon na casa vizinha à casa de Neópolis, sob a hospitalidade de dona Delza; um expediente qualquer na redação da Tribuna, entre a preguiça e a poesia, a vontade de repolhar em casa e a excitação de uma matéria eventual; um vinil de Morissey, um CD de Cassia Eller (o segundo); uma bebezinha aos meus cuidados enquanto Jô ia ver qualquer coisa na casa ao lado; uma juventude constante; um futuro que a gente olhava de longe enquanto vivia o máximo que cada hora permitia, imaginando o que faria, o que diria, com que piada a gente se sairia se, por exemplo, alguém como Caetano Veloso, aquela figuraça daqueles tempos, sem mais nem porque entrasse sem bater à porta que ademais estava sempre aberta.
Esta semana, eu lembrei disso tudo e de muito mais. Só porque meu amigo Carlão (de Souza) esteve aqui em casa. Quanta alegria. Pena que foi só por um dia e eu não pude caminhar pela cidade tanto quanto queria e quanto ele merere. De manhã, percorremos lojas de discos e cheiramos o ar límpido das grandes livrarias. Mas, de tarde, quando saí para trabalhar, foi que Carlão se sentiu mais em casa: foi à W3, a avenida comercial da cidade onde um dia ele viveu na década de 80, e bebeu umas cervejas num lugar chamado Jequitibar. Eu continuo sendo um sujeito que não bebe - pior, nem fumar eu fumo mais, e vocês entedam que o emprego do adjetivo "pior" aqui atende a um outro tipo de expectativa nem um pouco ligado à saúde física. Mas, dizia, mesmo sem beber e sem fumar, esse foi justamente o momento que eu mais queria dividir com meu amigo. Carlão, rapaz: agora é assim. Toda vez que eu passar na W3 e vir - ontem, indo ao supermercado, eu passei e vi - o Jequitibar, vou lembrar de sua passagem por Brasília, por aqui em casa e pela minha vida, cabra velho. Volte outras vezes.
2 comentários:
SAudade dos dois.
Será que imaginávamos que as nossas vidas fossem como são??? Lembro de Lula (Augusto, para Daniele) dizendo que a casa de Neópolis era um rio perene... era um entra e sai de gente sem fim.
Saudades desses tempos, Sebá.
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