sábado, 24 de maio de 2008

O Banheiro do Papa




É como se os melhores princípios do neo-realismo italiano tivessem dado um salto no tempo e no espaço e desembarcado no cinema uruguaio de hoje em dia. Ou então como se Jacques Tati pegasse sua bicicleta, pedalasse com um pouco mais de força, atravessasse o Atlântico by bike como aquele menino que abrigou E.T., e fosse dar num pequeno povoado do Cone Sul. E tudo isso para encenar não uma comédia mímica francesa, mas uma quase tragédia coletiva sul-americana dotada de um muito especial senso de humor. Isto é "O Banheiro do Papa", filme que tem entre seus dois diretores o uruguaio/brasileiro César Charlone, consagrado diretor de fotografia de "Cidade de Deus" (o co-diretor é Enrique Fernández).

A esta altura, todo mundo já leu que "O Banheiro do Papa" conta a história de como uma pequena e pobre cidade da fronteira Uruguai-Brasil se preparou para faturar uns trocados com a passagem do papa João Paulo II por lá. O problema é que a tal presença papal foi mais uma visita-relâmpago do que o grande evento que os moradores esperavam. De forma que todo o já parco dinheirinho investido na preparação de salgados, lembranças e do tal banheiro - um sanitário coletivo a ser usado em troca de umas moedas - acabou boiando, como se diz na gíria do comércio mais precário. Não vieram as levas de brasileiros ávidos por lembranças, comida e um lugar onde se aliviar, como todos esperavam.

A história é meio verdadeira, mas a graça maior do filme é contar tudo a partir da vida de Beto, um muambeiro tão precário quanto a cidade onde vive. O sujeito leva a vida em fazer viagens entre o lugarejo uruguaio e a cidadela brasileira mais próxima para trazer mercadorias. Não é um sacoleiro internacional - está mais para mula de mercadinho. E o percurso, de 60Km, entre as duas cidades, ele faz de bicicleta. De maneira tal que a bicicleta é uma presença constante na tela, favorecendo as cenas de deslocamento, o movimento inútil de uma gente condenada a viver e morrer com aquela cidade em lenta decomposição.

E a bicicleta, pra lá e para cá, pendular e monótona como a vida desse pobre povo, leva o espectador o tempo inteiro a lembrar de um filme emblemático do neo-realismo italiano - "Ladrões de bicicleta". Mais do que o meio de transporte humilde, há também a semelhança do registro, pois o que se vê em "O Banheiro do Papa" é uma aproximação muito forte com a vida real da gente humilde da Latinoamérica. Isso sem falar nos rostos que tomam a tela, na força dos olhares que dispensam diálogos. Beto (César Trancoso, gigantesco ator que mal cabe nos limites da tela), o contranbandista sem nenhum glamour, parece um Belchior derrotado, apenas um desesperado latino-americano, com seus bigodes de Stalin, sua sina fronteiriça e seus olhos que cantarolam ora a sua imensa tristeza, ora a sua raiva imensamente contida, ora o seu pedido de compreensão. Com a doce faca amolada desses olhos dialogam sua filha e sua mulher, atores igualmente soberbos dessa crônica profundamente humana.

Às vezes doce, outras amargo, quase sempre retocadamente fotografado, muitas vezes chapliniano, "O Banheiro do Papa" é um primor de cinema contemporâneo, ao mesmo tempo em que nos remete a grandes momentos da sétima arte de todos os tempos. Um filme que dá nova diginidade a uma expressão tão desgastada quando se fala em produtos culturais do nosso tempo: "imperdível".

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Tião, tudo bem?

30 de maio estréia o filme CORPO, de Rubens Rewald e Rossana Foglia, em SP. O filme é B.O. e eles não têm verba para divulgação, por isso estão usando a rede e os amigos para divulgá-lo. Poderia ajudar divulgando em seu blog, por favor? Obrigada.
Abraços. ; )

Link do cartaz do filme [clique na foto para ampliar]
http://priscilanicolielo.blogspot.com/2008/05/cinema-estria-corpo-30-de-maio.html

Trailer
http://www.youtube.com/watch?v=-NH-yXSugtc

PS: Se precisar de mais informações, me avise.

sarah.bhte@yahoo.com.br