quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A crise da meleca


Brasília está em crise – e não é por causa da corrupção. A culpa é da chuva, que voltou por esses dias depois de 106 da mais límpida estiagem. Ocorre que, dada à extensão da seca deste ano, empresários atentos às demandas do mercado atual tocaram o projeto de geração de energia alternativa à base de meleca seca – matéria-prima abundante neste quadrado metido no lado esquerdo do mapa goiano e que vinha sendo desperdiçado (a matéria, não o quadrado) a olhos vistos, descendo pelos ralos caseiros quando tinha potencial para fornecer energia para o quadrado inteiro e mais algumas cidades do não menos célebre entorno da capital federal.

Cientistas muito bem pagos pelos conglomerados do setor energético descobriram que a meleca seca que o brasiliense produz em abundância nas narinas durante a seca contém um forte e valente propulsor atomizado de alta combustão capaz de, empregado na atual rede elétrica, gerar tensionamento suficiente para iluminar as cidades, acionar motores e eletrizar tudo quando é tipo de tomada. Animados, os novos empreendedores da meleca seca espalharam coletores públicos nas esquinas da capital federal, mediante os quais o cidadão comum trocaria os resíduos da noite mal dormida estocados no nariz por notas de real conforme a cotação do dia da meleca seca. Variava também o rendimento conforme a qualidade da meleca, visto que determinado tipo de gente mais assim-assim produz um pigmento nasal desidratado de natureza mais potencialmente energética do que outros. O BNDES foi chamado para injetar recursos no negócio, mas recuou, acusado de querer beneficiar um dos gigantes do setor. Foi o bastante para o Congresso Nacional abrir a CPI da Meleca, durante cujas sessões, como a conjugar teoria, crítica e prática, muitos senhores deputados e senadores teriam conseguido rios de dinheiro doando suas melecas superfaturadas por debaixo dos panos.

Mas no último domingo, a chuva voltou a Brasília – e desta vez, parece, tomara, de forma definitiva, enterrando tão rentável negócio brasiliense. A produção de meleca seca caiu consideravelmente, na mesma proporção em que vem aumentando a geração de meleca molhada, decorrente do primeiro surto de gripe que costuma demarcar a volta da estação chuvosa local. Mas a meleca molhada não tem o mesmo potencial energético de sua prima desidratada, de maneira que morreu a fonte de renda, desandou a CPI e os coletores espalhados pelo Plano Piloto hoje estão todos pichados pelos movimentos em defesa da ética na vida pública que andam por aí desorientados em busca de um novo escândalo para repreender.

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