quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Tom, segundo Nelson


Vem aí documentário que é um sopão de imagens musicais de Antônio Brasileiro, do Rio e da bossa em edição e direção de Nelson Pereira dos Santos com Dora Jobim. Leia na reportagem de "O Globo"

NOVA YORK - A música segundo Tom Jobim" faz jus ao título com exatidão. O documentário de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim, cuja estreia foi anteontem, no Festival de Cinema de Nova York, não oferece uma fala sequer entre a sucessão de imagens - algumas jamais vistas na tela grande - preenchidas pelo som de Antônio Carlos Brasileiro (1927 - 1994).

Não há informação sobre quem está cantando qual música em tal ano. Pois a ausência de referências acabou criando um jogo lúdico para uma plateia curiosa, que ficou até o fim dos créditos se deliciando com comentários como "eu não te disse que aquele era o Oscar Peterson?" e "olha lá o Henri Salvador!". O filme estreia no Brasil em janeiro.

A ausência de informação básica foi um antídoto usado pelo diretor de "Vidas Secas" para se afastar do modelo documental televisivo, mais comum nas salas de cinema. Deu certo. O filme começa com uma sequência de imagens raras do Rio pré-Aterro, da segunda metade dos anos 1950, com o Museu de Arte Moderna (MAM) sendo erguido, e a câmera conduzindo o espectador pelo aeroporto Santos Dumont, passando pela Candelária, a Enseada de Botafogo, o Túnel Novo sem o Rio Sul nas imediações e uma Copacabana com bonde, pronta para abrigar o surgimento da bossa nova. Só pelo embarque no túnel do tempo, com a melodia de "Garota de Ipanema" ao fundo, já valia a projeção. Mas há mais.

Dentre as imagens de "A música segundo Tom Jobim" - um dos dois documentários sobre o músico a ser concluído neste ano pelo diretor de "Como era gostoso o meu francês" - estão a da Elizeth Cardoso cantando "Eu não existo sem você", acompanhada por um jovem João Gilberto, na época de "Canção do amor demais", considerado o marco inicial da Bossa Nova. Dizzy Gillespie explode suas bochechas em "Chega de saudade". Sammy Davis Jr. improvisa "Desafinado". Frank Sinatra, cigarro em mãos, canta "Corcovado" com Tom. Há ainda uma sequência kitsch de versões de "Garota de Ipanema", passando por um programa de auditório japonês, o surfe da Califórnia e a Itália. Também há uma Maysa de muito perto, já marcada pela vida, quase atravessando a câmera, imperando silêncio pela primeira vez na plateia com "Por causa de você". E até Judy Garland - em imagem encontrada por Dora Jobim (neta de Tom), no YouTube - surge, cantando "Insensatez".

Essencialmente um exercício de edição, o filme transformou os diretores e a roteirista Miúcha Buarque de Holanda (que aparece ao lado do compositor, entoando o "Samba do avião", no antológico show do Canecão) em VJs de um YouTube imaginário, garimpando imagens raras seguindo uma ordem mais ou menos cronológica, permeada pelas capas dos discos mais importantes de Tom e passagens emblemáticas de sua vida e carreira (como na montagem de "Orfeu da conceição", ao lado de Niemeyer na Brasília em construção, no Carnegie Hall na noite de gala da bossa nova), até o fim apoteótico, com "Saudade do Brasil" sobreposta às imagens do desfile da Mangueira de 1992, cujo samba-enredo pedia: "Quero me perder na fantasia/que invade os poemas de Jobim".

"Estou muito feliz e orgulhoso de apresentar o filme em Nova York, a cidade que acolheu tão bem Tom e onde ele pôde mostrar sua arte com todo esplendor", disse Nelson Pereira, antes da projeção. Emocionado, não ficou até o fim da segunda sessão. Não viu, portanto, a saída do público, que assoviava tons jobinianos. Teria ficado feliz.

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