segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Todo mundo sabe, mas é segredo (1)
Estou diante da tevê que me mostra uma reportagem sobre o escândalo que pretende parar o país e, se possível, golpear uma eleição. É grave, por isso preciso prestar muita atenção. Arregalo os olhos, ativo em potência máxima os ouvidos. Mas já me incomodo porque a história que o repórter conta parece ter começado pelo meio – e não pelo início. Depois, vão surgindo nomes e nomes, todos suspeitos, claro. A seguir, surgem aqueles trechos destacados, em efeitos de computador, de documentos altamente comprometedores. As acusações, suspeitas, dúvidas e indícios permeiam toda a reportagem, que termina meio como começou – sem um final minimamente definido. E eu, do lado de cá do noticiário de tevê, fico me perguntando: se é tão importante, por que eu não entendi direito? Será que a minha capacidade intelectual – eu, sujeito formado em curso superior, e logo em Jornalismo – não dá conta de entender o caso que tem tudo para derrubar a candidata do presidente Lula e número um na preferência nacional à Presidência da República? A que ponto eu cheguei, constato, triste.
Ou a que ponto eles chegaram – os donos da grande imprensa do país, com a concordância nem sei mais se forçada, envergonhada ou aberta dos seus empregados. Mas é preciso esquecer por um momento a questão maior, que é o tal escândalo da quebra de sigilo na Receita, para analisar a menor, que é a maneira como os jornalões tentam vender o escândalo de maneira a fazer dele uma boa peça no tabuleiro da sucessão. E aí é onde entra a minha suposta burrice, aquela incapacidade de entender o caso assistindo a uma reportagem do Jornal Nacional, que foi o que aconteceu num dia qualquer da semana passada. Ficou naquilo: nomes, suspeitas, trechos de documentos em destaque. Porque, pra começar, o Jornal Nacional, que ainda é um meio de informação que cobre o país todo e se alimenta do hábito noturno do brasileiro médio de assistir à televisão, supõe, com base nesta tradição, que é visto religiosamente todas as noites. E, com base nisso, a reportagem do escândalo a que assisti pressupõe que aquilo não é novidade pra mim, que eu acompanho o caso com a mesma avidez que lhe dedica, digamos, o senhor Ali Kamel. Eu e toda a massa de trabalhadores brasileiros.
Ora, se eu, que por dever de ofício preciso estar bem informado sobre os escândalos nacionais, tenho dificuldade em juntar as peças do novo caso noticiado pelo JN, imagine o conjunto dos brasileiros que, suponho, faz uso do jornalismo (no que o JN é, inegavelmente, o componente principal da cesta) muito mais como um elemento a mais a balizar sua visão de mundo e de suas necessidades como pessoa e cidadão do que como uma espécie de bíblia de histórias e princípios que ele precisa seguir e obedecer.
A soberba do jornalismo simpático a José Serra – o que não seria um mal em si, desde que não resultasse em noticiário viciado – é tamanha que ele julga que basta manter o caso em evidência todos os dias, a cada um deles acrescentando novos nomes e novos trechos de documentos em destaque que somente isso será suficiente para cimentar na mente do espectador a noção final de que a campanha de Dilma comete a ilegalidade de invadir a privacidade contábil da filha de seu opositor e que isso é o bastante para cassar a candidatura da ex-ministra. Se mais da metade dos brasileiros acha que Dilma, nas atuais circunstâncias, é a sucessora ideal para Lula, problema deles. A instituição do sigilo fiscal é maior do que a preferência democrática pela continuidade do governo Lula.
Não vou discutir a filosofia do princípio do sigilo fiscal, que a gente sabe bem a quem beneficia – e não é ao conjunto da massa dos cidadãos brasileiros. Também não vou entrar no aspecto muito menos nebuloso que é o fato de 90 por cento dos brasileiros burlarem, de alguma maneira, por menor que seja, o fisco – um fato no qual se esbarra a qualquer hora e a qualquer momento. Essas são apenas duas faces da moeda de múltiplas caras que representa a relação dos brasileiros com o sistema de arrecadação de impostos. Só preciso dizer que são, também, duas boas explicações para o fato de o escândalo não conseguir ter o efeito esperado pelo jornalismo pró-Serra – além do fato, já abordado no início deste texto, de que o praticante deste jornalismo está pouco se lixando se o público realmente vai entender o escândalo à venda, porque se não estiver é um problema de ignorância desse público e não uma questão de incompetência narrativa dos jornalistas.
(CONTINUA NA PRÓXIMA POSTAGEM)
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Um comentário:
Tião adorei o post.
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