sábado, 18 de setembro de 2010

Adeus, 2010


A Copa acabou (perdemos), a eleição presidencial está praticamente decidida (veremos) e se você olhar com um pouco mais de atenção em volta há de perceber um certo clima natalino no ar. Quer dizer: 2010, este ano marcado por tragédias naturais como nunca se vira antes e por uma campanha eleitoral pela Presidência da República em condições igualmente inéditas, acabou. Não há por que prolongar mais este ano que foi tão difícil, embora certamente não inútil, uma vez que é do conhecimento de todos que dificuldades são o grande insumo do crescimento, seja pessoal ou institucional. Mas que 2010 não faz mais o menor sentido, disso não há dúvidas.

Basta apenas que alguém – o governo, não, que se o fizer será logo tachado de oportunista e eleitoreiro – tome a providência oficial e decrete: ainda é setembro, mas 2010, para todos os efeitos, terminou. Que ninguém mais se preocupe com a possibilidade de novas catástrofes como os desabamentos de Angra dos Reis, o terremoto do Haiti ou esse caso escabroso dos mineiros presos em algum ponto muito distante no subsolo do Chile. Um caso que comprova a tese que mais marcou este 2010 que já vai tarde: nunca antes na história da humanidade se viu tamanha sucessão de desgraças matando gente em massa e de uma maneira que, quando a gente acha que nada pior pode acontecer, vem algo ainda mais impressionante e inesperado.

Para além de evitar novas desgraças, abreviar em três meses o ano de 2010 ainda terá vantagens adicionais. Vai-se, com isso, economizar a energia elétrica consumida pelo país em três longos meses (e justo aqueles que pegam as festas de fim de ano, quando o consumo em geral e não só de energia é ainda maior). O mesmo princípio vale para a água e, pela lógica oposta, para a poluição que apavora os verdes. Três meses a menos, apagados do tempo e suprimidos das nossas memórias depois de despertadas em primeiro de janeiro de 2011, significarão, na certa, um povo mais descansado para iniciar um ano novo. Mais tranqüilo, menos ansioso e naturalmente mais disposto – como alguém que desperta de uma boa noite de sono depois de duas semanas trabalhando até mais tarde.

Para o jornalismo, será bom e será ruim. Depende da perspectiva pela qual se observe este período congelado. Será bom porque haverá uma demanda reprimida por notícias – imagine o senhor ficar três meses sem dar uma olhadinha no jornal, como se estivesse em coma no hospital, e a vontade que dará de um dia para outro descobrir tudo o que aconteceu, como dizia aquela comédia romântica do cinema, enquanto você dormia. Já vejo os repórteres e editores ouriçados entre aquários, reuniões e computadores enquanto correm para recuperar tantas histórias perdidas. E será ruim porque, de fato, logo os repórteres e editores se darão conta de que não há história alguma por recuperar e narrar aos leitores e espectadores. Simplesmente porque se o trimestre final de 2010 foi absolutamente suprimido do calendário humano isso significa que nada aconteceu entre outubro e dezembro do referido ano.

Isso pode ser frustrante para jornalistas e consumidores de notícia, mas poderá ser até bom para o país e o futuro presidente, que por sinal tomará posse justamente no momento em que o Brasil acordar para 2011 após os três meses eliminados de 2010. Pense bem: com outubro, novembro e dezembro chutados da realidade, quando é que aqueles mesmos jornais e jornalistas terão tempo de especular sobre o futuro ministério do novo (ou nova) presidente? Então o leitor ficará livre de uma série de pistas falsas, maldades construídas e malícias alimentadas, reputações prazerosamente detonadas, ressentimentos políticos de fim de ano, reportagens inteiras plantadas como outrora só se fazia com notinhas inocentes.

O certo é que, por meio mística e absolutamente inédita, será preciso realizar algum tipo de ritual no momento da transição abrupta de 3 de outubro para o primeiro dia de 2011. Três de outubro, sim, porque a eliminação dos resíduos do ano atual só poderá ocorrer, naturalmente, após encerrada a votação; a apuração, a esta altura, parece um detalhe. Imagino alguma coisa como uma cerimônia ecumênica, reunindo correntes políticas díspares, como a nostalgia do PSOL, a superioridade dos tucanos e a nova classe média que o PT forjou para o desgosto da anterior, que nunca vai perdoá-lo por essa maldade. Mais um pouco do verde conveniente de Marina, uma pitada da ira contida de Ciro Gomes e, na apresentação, ninguém melhor do que a prefeita de Natal, esta cidade ecologicamente revolucionária. O sacerdote da pajelança que fará o país avançar no tempo e alcançar 2011 antes do resto do mundo poderá ser um tipo como Mangabeira Unger e, de coroinha, o senador Garibaldi Filho não ficaria mal.

No final, todos tomariam certo tipo de beberagem entre o guaraná da Amazônia e a grapete do morre-em-pé que algum dia existiu no Alecrim, cairiam em sono profundo e, bum, o fenômeno se daria. O ano de 2010 seria apenas uma memória, sem direito sequer àquelas retrospectivas obrigatórias que tomam horas de trabalho de jornalistas que poderiam muito bem estar fazendo coisa melhor – como investigar, sem pedras nos bolsos, o grau de mudança que ocorreu no país nos últimos anos.

E você nem precisou comprar presentes de Natal para a família – mas em compensação, também não ganhou nenhum, viu? Neste mundo, é sempre assim. Alguma coisa se ganha, outra se perde. Mas nunca como em 2010 – um ano que, por assim dizer, nem deveria ter começado.


*Publicado no Novo Jornal (Natal-RN)

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