quinta-feira, 30 de setembro de 2010
Neve nos trópicos
Eu sei, eu sei. Falar do clima pode ser a pior maneira de disfarçar a falta de assunto. Mas quem há de resistir à imagem – real e metafórica – daquela chuva de granizo que caiu sobre Guarulhos, na Grande São Paulo, na semana passada? Pra todos os efeitos – e especialmente para os efeitos de uma coisa chamada estilo (e seus pecados derivados), nevou em Guarulhos. E depois de a gente ter visto nevar em Guarulhos, tudo pode acontecer neste 2010 matreiro que, qual um piadista incorrigível, parece gracejar da gente ao dizer que, calma, ele ainda não acabou.
Primeiro foram os desabamentos que transformaram em tragédia o verão de Angra dos Reis. Também assistimos às cheias que viraram pelo avesso o clima em parte do interior nordestino. Houve ainda aquele terremoto que pareceu uma ironia num Haiti já conhecido como um país de terra arrasada. Depois de tudo isso, vem essa piada final (será mesmo?) de 2010, que é a neve cobrindo daquele branquinho tão avançado as ruas de Guarulhos.
Diante disso, de que adianta discutir se uma camisa presa numa porta – no que seria o mais fantástico caso de sabotagem da atual campanha eleitoral – foi a causa de certo tumulto no metrô paulistano? Quem olhar para trás e passar em revista as coisas estranhas deste 2010 teimoso em não acabar vai concluir, rápido e rasteiro, que a campanha eleitoral não tem nada a ver com isso, nem a Mamãe Erenice, tampouco Nossa Filha Verônica, menos ainda os vídeos da Sargento Regina. O problema, eleitor, é o ano. Ou, parodiando aquela frase que o marqueteiro de certo Bil Pinto – ops, Bill Clinton – deixou para os anais da democracia representativa mundial, “o problema é que estamos em 2010, estúpido”.
Diante dessa premissa, tudo é possível daqui até dezembro: macaco falar, cego voltar a enxergar, Derci Gonçalves ressuscitar ou Iberê ganhar uma manchete favorável aqui no Novo Jornal. Pelas molecagens que este 2010 vem promovendo, é bem possível que Marina passe Serra e vá com Dilma para o segundo turno. Já pensou Caetano Veloso como ministro da Cultura? Nunca mais nossas barrigas roncariam de fome de polêmica. Também já dizem por aí que José Agripino corre o risco de não se reeleger, mas pra mim a previsão não bate com a maldição do ano, já que 2010 trabalha na base do inesperado – se algo começa a ser antevisto, está fora do seu saco de maldades.
O estranho caso da neve em Guarulhos também sugere uma leitura algo mística, numa abordagem que mistura disputa eleitoral com desígnios do além. Pra entender essa outra tese é preciso estar ciente de que, como já se disse, “Presidência da República é destino”. Não basta o tal do preparo, nem a tal da biografia, muito menos as promessas – e menos ainda a imprensa amiga. Mas onde fica a tal leitura místico-eleitoral da neve de Guarulhos? Ainda não percebeu? Como dizia aquele outro bordão de humor na tevê, tem leitor que é cego. Deve ser apenas um caso de quem anda ouvindo demais a CBN e assistindo mais do que é recomendável ao Bom Dia, Brasil. Ora, a leitura místico-eleitoral da neve de Guarulhos é tão clara quanto a luz que emana da decoração de fim de ano que enfeitou Natal no ano passado. A neve caiu como um sinal dos céus, como a jogar uma camada de gelo no fogo sem controle da campanha eleitoral em curso. Não pode haver metáfora mais transparente: só não entende quem não quer, como certa classe média remanescente que prefere tiritar de frio numa manhã dominical nos parrachos de Pirangi do que admitir qualquer chance de ascensão para quem até outro dia vivia, calmo e submisso, abaixo de sua linha de consumo, de lazer, de oportunidades . De cidadania, pra ficar numa palavra só.
Se Lula, como diz o colega Arnaldo Jabor, é um caso menos de representação política do que de religiosidade projetada, então é preciso prestar mais atenção aos fenômenos naturais que ocorrem enquanto ele é espezinhado nos meios esclarecidos. A neve de Guarulhos esta aí para comprovar o caso, como o mar se abrindo diante de Moisés. De maneira que ninguém se espante se o cajueiro de Pirangi ganhar fôlego ainda maior e se espraiar até Nova Parnamirim para depois pegar o rumo de Neópolis, alcançar Morro Branco e se insinuar até o Tirol. Será um sinal a mais – ainda não sabemos do quê, mas isso é questão de tempo. Se a padroeira gigante de Santa Cruz descer do seu pedestal no alto do morro e sair caminhando pela margem da adutora do sertão até Natal, também não se espante, meu filho, que as coisas de 2010 não deve o homem menosprezar. Ainda mais se tratando de uma estátua daquele tamanho.
Ao fim e ao cabo, enquanto 2010 tiver vida, veremos e viveremos como se fôssemos figurantes em transe num velho filme de Glauber Rocha, aquele profeta maluco que dizia, com milênios de antecedência, que no futuro todos iriam ceder aos encantos da Rede Globo – e por bem mais do que cinco minutos, acrescento eu. Ele também fez outras previsões, sempre no seu estilo meio caótico e inacessível muitas vezes até mesmo para os mais refinados intelectuais de esquerda do Brasil dos anos 60. De forma que seria inútil tentar explicar, até porque o Brasil mudou tanto que não se sabe mais em que rincão do tabuleiro político estão hoje alguns daqueles intelectuais. O fundamental é que até a mais megalômana previsão de Glauber, feita sobre a miragem anterior de Antônio Conselheiro, de que o sertão iria virar mar, tornou-se obsoleta diante deste 2010 de tantas milacrias ambientais.
Porque, fala a verdade: qualquer maldição premonitória vira fumaça diante da constatação de que nevou em Guarulhos, é ou não é? E de que ainda temos outubro, novembro e dezembro para nos surpreender com o que é possível acontecer neste 2010 enquanto as capas da Veja amarelam nas bancas da memória do que foi esta campanha eleitoral.
*Publicado no Novo Jornal (Natal-RN)
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