terça-feira, 28 de setembro de 2010

Brumas de Brasília


Não se assuste se o prédio do Congresso Nacional aparecer na televisão envolvido em uma camada de bruma branca e leitosa, como se fosse a visão fantasmagórica de certo reino podre da Dinamarca shakespeariana. Pode parecer algum fenômeno político de última hora nos dias que antecedem a eleição, mas não é nada disso. É apenas a manifestação visível da seca de Brasília para quem não mora ou nunca esteve na capital do país nesta época do ano.

Veríssimo já disse, não sei se com essa palavras exatas, que o grande mal de Brasília é, curiosamente, o excesso de luz – ou, numa metáfora, de transparência. Mas no mau sentido, já que é difícil viver numa cidade de arquitetura e urbanismo tão expostos ao sol. Neste sentido, Brasília é realmente a cidade mais ofuscante do país. Ai de quem não tiver um bom par de óculos de sol, coitado de quem tem tendência a sofrer de câncer de pele, piedade aos albinos. Isso no ano todo, mas quando chega o período mais crítico da seca – que é cíclica, como a mais autêntica estação do ano por aqui – a situação se agrava. Porque além do brilho natural que tudo clareia como uma ironia política, desce da atmosfera, e justo nos dias que antecedem a volta das chuvas, essa bruma seca que dá a todo aquele esplendor de visibilidade uma mão de tinta branca.

De maneira que você está na janela do seu prédio ou da sua casa e enxerga o prédio ou a casa de frente filtrada pelo que parece algum efeito fotográfico de filme expressionista. É como se Woody Allen finalmente tivesse realizado seu projeto de fazer um filme no Brasil mas, no lugar do lugar comum que é o cenário colorido e tropical da Baía de Guanabara, resolvesse fazer uma continuação de seu “Neblina e Sombras” no Planalto Central do país.

Outro exemplo próximo, ainda recortado do mundo do cinema, é a adaptação de “Ensaio sobre a cegueira”, que Fernando Meirelles fez a partir do livro de Saramago. Porque a camada esfumaçada que recobre a arquitetura de Brasília nestes dias lembra muito aquele branco que cegava – como por efeito negativo do preto que define a incapacidade de enxergar – os personagens da história. Fora isso, esse lado visual capaz de inspirar comparações que por absurdas que pareçam fornecem algum consolo antes da chuva, tem o lado pior de tudo isso, que é o calor. Esse, que é extremo e sem suor, portanto de natureza bem diversa do calor dos litorais, pelo menos não se vê pela tevê – o que é uma benção para os de fora que apenas contemplam a visão do Congresso em brumas como uma curiosidade dos grotões de Niemeyer.

Um comentário:

Roberta AR disse...

Essa malfadada névoa seca deixa meu nariz em petição de miséria. E o povo daqui só fala sobre isso.