quinta-feira, 18 de março de 2010

Livro certo, hora errada


Que existem livros que a gente lê com a idade errada, todo mundo sabe. O problema é que a gente sempre imagina que o livro lido na idade errada é aquele para o qual o leitor não tem ainda experiência e amadurecimento para entender. Como ler o "Ulisses" de James Joyce com 18 anos ou encarar o "Grande Sertão: Veredas" de João Guimarães aos 15. Não que eu tenha lido Ulisses - ainda estou naquela de achar que é um livro tão desafiador que pode muito bem esperar pela aposentadoria; a minha, claro, não a dele, o livro. De Guimarães acho que posso dizer que sempre foi um prazer revelador justamente pelo fato de ter sido degustado no momento certo - nem muito cedo, quando poderia parecer um prato frio e de gosto esquisito, nem muito tarde, quanto daria aquela tremenda sensação de "como é que eu não descobri isso antes?".

Não é nem de um - o Joyce desconhecido e o Guimarães aproveitado - nem de outro que queria falar. Queria explicar, sem gastar muitos parágrafos, porque não bateu muito bem comigo um dos livros mais badalados do mundo pós-literário dos últimos anos. Pois é, senhores de mais de 32 dentes, só agora eu li "Alta Fidelidade", o romance pop de Nick Hornby. Peguei o livro num impulso, na biblioteca da Universidade de Brasília e empolguei-me com os primeiros capítulos, apenas para, mais tarde, perceber que é o tipo de relato que, digamos assim, "faria minha cabeça" se eu tivesse 20 e poucos anos - pra quem não fez as contas ou avaliou mal o meu rosto quando me viu de passagem, estou precisamente no ponto 4.4 da escalada ritcher da vida. Resultado: o momento daquele livro, pra mim, passou. É pena, porque se tivesse 19 anos eu tenho certeza de que iria colocá-lo no mesmo patamar pop-sagrado onde coloquei - eu e muita gente - o "Feliz Ano Velho" de Marcelo Rubens Paiva.

Pois é isso mesmo: ler agora este "Alta Fidelidade", que é um monólogo até divertido sobre um Peter Pan londrino e moderno da geração que veio depois da minha, é como reler "Feliz Ano Velho" sem perceber. É bom? É. Tem, ah... "conteúdo"? Tem, sim, senhor. O cenário das confissões de Rob Fleming, o personagem que depois do filme ficou mesmo com a cara do ator John Cusack, é um mundo de música, rock, blues, jaquetas envelhecidas e garotas, garotas, garotas, num conjunto que estabelece aquela sintonia bem próxima ao que fez parte do mundo de todo mundo quando jovem mancebo, pra usar a expressão de um amigo com quem dividi belos momentos dos anos oitenta. Mas isso é enfeite, adorno escrito, e o fundamental é que o narrador é tão imaturo, coitado, que a certa altura parece com um amigo que a gente, sem querer e sem ser injusto, acabou deixando para trás. Não porque não gostasse dele, não por maldade, muito menos por desprezo ou horror - mas porque o tempo passa para todos e não havia mais como não deixar de ignorar isso.

Ah, você tem 45 anos com uma cuca de 25? Então vá em frente, irmão. "Alta Fidelidade" vai iluminar seus caminhos, ao menos antes de você resolver agir e caminhar à luz de certa lanterna do futuro.

3 comentários:

Inácio França (www.caotico.com.br) disse...

Porra, Tião! belíssimo comentário sobre um livro.

Nunca li Alta Fidelidade. De Nick Hornby li Febre de Bola. Gostei porque gosto de futebol e tenho taras semelhantes as do autor.

Mas tá bom, já deu. Não tinha vontade de ler outra coisa dele. Agora, menos ainda

abraço

Inácio Caótico (www.caotico.com.br)

Francisco Sobreira disse...

Tião,
Você diz que ainda não teve coragem de ler Ulisses. Pois eu lhe digo que levei vários anos para ter a coragem de lê-lo, até que um dia decidi ir ao desafio. E veja o que aconteceu: com um esforço hercúleo, consegui ler pouco mais de 100 páginas em vários dias. Como não entendi quase nada, deixei-o de lado. Contei isso numa postagem de bem uns 3 anos atrás. Enquanto isso, velho, um cara daqui de Natal, numa entrevista, afirmou que leu o livro de Joyce de "uma assentada". Você acredita nisso? Nem eu. Aliás, a minha postagem foi baseada na afirmativa desse gênio, em que Natal é pródiga. Um abraço.

you know my name. disse...

hehe, esse eu li na idade certa, a uns doze anos atrás, acho. coisa datada, vou pro grande sertão.