sexta-feira, 26 de março de 2010

E os royalties da mangaba?


Se a moda pega, e não é demais lembrar que os cariocas são referência em lançar moda, em breve as capitais brasileiras, pelo menos aquelas mais “pra frente”, serão sacudidas pelas mais incríveis passeatas. Como nos velhos tempos, hein? Só que agora, no lugar de causas cafonas como “reforma agrária já” ou “fora não sei quem”, vamos marchar defendendo o que um dia foi indefensável: nossos interesses mais particulares em primeiro lugar.

Pena que essa confusão toda provocada pela revisão na distribuição dos royalties do petróleo não tenha estourado em dezembro. Se tivesse sido assim, a moda das passeatas a esta altura já estaria consolidada, e o último verão teria sido muito mais divertido. O verão das passeatas. Com o Brasil inteiro copiando – e, a esta altura, o Rio já achando meio fora de moda. Mas, assim como a tal distribuição dos royalties, nem tudo é perfeito.

O fato é que, de norte a sul do país, não foram poucas as capitais que se coçaram de inveja quando viram o povo nas ruas do Rio batendo panelas em favor do dinheirinho que o precioso líquido viscoso deixa na terra do Pão de Açúcar. No Rio Grande do Sul, alguém há de ter suspirado: “Era isso que a gente tinha que fazer em favor do nosso churrasco. Cobrar royalties, e caros”. Numa mesa de bar no Ceará, duvido que não se tenha ouvido um comentário do tipo: “Taí, a gente devia ocupar a praia de Iracema com uma manifestação em favor dos royalties pelas risadas que nossos humoristas proporcionam ao país. Só Renato Aragão, Tom Cavalcanti e Chico Anísio já dariam uma fortuna.” E os royalties do carnaval pernambucano, pela animação certa em fevereiro? E os rendimento dos ribeirinhos da Amazônia, que preservam a floresta com a vida simples que levam?

É, para onde quer que se olhe no mapa do país há algo que merece, tanto quanto o petróleo do Rio, um belo pagamento de royalties. Basta checar os argumentos que foram usados pelos fluminenses em favor deles mesmos para conferir. Alguns argumentos, pelo menos, porque muitos não merecem nem comentários. Um deputado chegou a dizer no plenário da Câmara que o Rio é a fusão do Brasil, o lugar onde todo o país se encontra. Por um momento eu pensei que ele estivesse falando de Brasília – e, por tabela, reivindicando royalties sobre a burocracia federal. Mas, não – era sério: o cara acha que, por ter a Rede Globo e o Projac, o Rio é a síntese do Brasil. Belo critério. Se for assim, também podemos dizer que a Rede Globo é que devia pagar royalties ao Brasil todo, pelo fato de usar de uma concessão pública para vender um estilo de vida que praticamente é próprio de apenas um dos municípios brasileiros. Sem falar dos abusos cometidos especialmente de quatro em quatro anos sem que ninguém possa fazer nada (quem fizer certamente vai ser taxado de adepto da censura, mas isso é outra história).

Enfim, o argumento central é: o estado ou município produtor de petróleo precisa receber mais em royalties do que o resto do país porque, afinal, ele precisa suprir essa indústria de exploração e refino de uma infra-estrutura que custa dinheiro público para construir. Anrã. Pois se o argumento é este, vamos resolver essa história analisando uma outra indústria, esta local, só pra gente ver como nós mesmos, potiguares, estamos sendo injustiçados com base nesse mesmíssimo princípio. Aliás, um parênteses: e nós não somos também produtores de petróleo, ou Mossoró deixou de existir? Só ouço falar de Rio e, quanto muito, do Espírito Santo. Parece que também neste ponto o critério do pagamento está mais para o fato de ser sede da Rede Globo do que para o de ser dono de subsolo de onde se extrai o ouro negro.

Bom, segundo o princípio do reembolso pelos gastos com infra-estrutura, a verdade é que o Rio Grande do Norte aqui em cima bem merece uma parte da grana. De que estou falando? Ora, dos royalties do turismo, pra ficar num primeiro exemplo. Paulistas, cariocas, italianos, portugueses e tantos outros chegam em bandos às nossas praias, ocupam nossos hotéis, gastam seu rico dinheirinho nos nossos shoppings, alguns até resolvem aqui facilmente suas carências sexuais, e o Brasil não paga nada à gente por isso? Ora, o turismo também tem um preço, também tem seu “custo Brasil”.

É preciso manter a cidade limpa, as praias despoluídas, os acessos aos pontos turísticos em boas condições. E tudo isso sai do nosso bolso. Quer ver mais? Os melões que a região oeste produz para exportação também precisam ter seu contraponto em rendimentos distribuídos ao estado e aos municípios. Sim, senhor, os royalties dos melões, os royalties da macaxeira, os royalties da mangaba. Todo mundo gosta dos melões potiguares e de carne de sol com macaxeira, certo? Todo mundo tem uma queda por aquele sabor pegajoso do suco de mangaba, mas ninguém se pergunta quanto custa ao solo de Macaíba produzir tamanho néctar; é ou não justo recompensar a cidade pagando royalties por isso? Por esse critério, Macaíba é a nossa Macaé e assunto encerrado.

Então, moçada, é isso: bora sair às ruas em passeatas dominicais, de Redinha a Ponta Negra, cobrando os royalties que o país esqueceu de nos pagar. Os royalties do ventinho que abana os turistas, os royalties do sal de Areia Branca, se brincar até os royalties do sol, que aqui é mais freqüente e mais intenso do que em grande parte do país. E, se motivos outros não houver, não tem problema. Nem por isso a gente vai bancar o bocó fora de moda: saiamos às ruas em passeatas que cobram os royalties da estupidez, aquela matéria em que tantas vezes, vamos admitir, também somos pródigos.

Embora nesse critério a gente não seja nem melhor nem pior do que grande parte dos demais estados brasileiros – o que só dificulta e realimenta o eterno conflito federativo e tributário.

*Publicado no Novo Jornal (Natal - RN)

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