terça-feira, 9 de março de 2010

Um 38 no táxi


Um dia de semana, um motivo que não vem ao caso, mas o caso é que precisei chamar um táxi para ir de casa ao trabalho.

Moro perto do ponto, rapidinho surge o bólido e, implantado dentro dele, como se fora uma extensão do motor, do volante e até dos faróis, o motorista.

O motorista é maneira de dizer. Nâo era só isso. Estava mais para um taxi driver. Aquela figura de cinema ou, no mínimo, aquela aparência de comercial passado no México. Como se você chamasse um táxi e lhe aparecesse, ao volante, um personagem de filme de Alejandro González Iñárritu.

O sujeito era grandão, gordão, negro, de camisa quadriculada, chapelão, óculos formato ray ban e uma baita trança negra de fazer inveja às camponesas bolivianas. Mal cabia na cabine do carro, que se tornava ainda menor porque equipado com apetrechos para distrair os passageiros, como um aparelhinho portátil de TV-DVD.

Feita a descrição, pense numa alma doce e leve. Não sou de conversar no táxi, mas a curiosidade pelo aparelhinho de TV-DVD quebrou o gelo. Fiz umas perguntas, o taxi driver se empolgou, disse que era para agradar os clientes, prestar um serviço a mais, mas que quem gosta mesmo é um grupo de crianças que ele leva e traz da escola todo dia. Mostrou um estojo estufando de DVDs piratas, todo contente e orgulhoso.

Botou pra tocar uma coletânea de videoclips dos anos 80 igualzinha a uma que tenho em casa. Corrida divertida, pra mim e acho que para ele também.

Súbido, um carro passa dando uma "fechada" no taxi driver. É o pretexto para a conversa mudar de rumo. Nosso impressionante Willie Nelson from Paraíba aproveita para anotar a queixa, docemente como não se espera dele:

-É a terceira que eu levo hoje! Não é possível!

Eu, que sou uma vítima contumaz de manobras como essas no trânsito, reforço, concordo, reconforto-me de saber que um sujeito daqueles, com aquela cara de pistoleiro de aluguel de filme de Beto Brant também sofre desse mesmo problema, como se fora um reles frouxo que não impressiona ninguém como sou eu.

É quando ele me conta a história que vale a corrida. Uma história que deixa gente como eu, vítimas contumazes da agressividade do trânsito, com um gostinho de vingança na boca.

O taxi driver conta que, certo dia, justo quanto tinha por passageira uma senhora distinta e muito educaca, parou num retorno e, para sua surpresa, levou um verdadeiro esporro mal educado do motorista que parou ao lado dele. O outro cobriu o taxi driver de palavrões, chamou de cangueiro (ou barbeiro, estou adaptando o vocabulário para o meu dialeto), xingou, fdp, o diabo...

E o taxi driver, segundo o relato dele próprio, teve que aguentar tudo calado. Nem um pio. Por que não? Ora, ele estava com uma passageira, uma senhora distinta, não pegava bem e ainda seria muita grosseria para com ela responder à altura à agressão do motorista ao lado.

O taxi driver de tranças suportou calado, bufando por baixo do sorriso amarelo. O trânsito fluiu, a passageira distinta desceu no lugar combinado, a vida seguiu, o tráfego idem.

Pouco depois, em um sinal daqueles bem movimentados, o taxi driver, agora sem motorista, livre e desimpedido, pára e olha para o lado. Quem está lá? Quem? Quem?

Ele mesmo, o sujeito grosseiro que cobriu o taxi driver de impropérios há uns poucos minutos atrás, sem que o bad boy de trança pudesse reagir. Agora, ali no sinal, a situação mudara.

O taxi driver tirou o sorriso amarelo do rosto, vestiu sua máscara de irmão metralha - quer dizer, não precisou mexer um músculo facial - e olhou para o lado, chamando o motorista abusado na base do "é você, você mesmo, não olhe pro lado não".

E desatou, furioso:

-Na próxima vez que você se aproveitar de eu ter passageiro para me xingar e se amostrar pra cima de mim, seu fdp, você vai ver o que eu faço. Eu lhe mato, viu? Lhe mato! Aliás...

...e o taxi driver levantar o corpo, ali no sinal, todo mundo vendo tudo, o trânsito obrigatoriamente parado para assistir à discussão, o taxi driver levanta o corpo como quem vai...

...aliás, eu mato é...

O taxi driver levanta um lado do corpo como quem vai tirar alguma coisa do bolso ou do cinto.

....eu mato é agora, seu fdp!

O motorista abusado, agora um motorista apavorado, liga o carro, fura o sinal e sai em disparada, temendo o pior.

E o que fora sorriso amarelo, fúria represada e por fim ameaça pura e simples vira uma bela gargalhada.

O taxi driver de ray ban e tranças cai na risada vendo a reação do outro. É claro que, de mal, o índio urbano de pele negra e trança vasta só tem mesmo a performance, quando a situação exige.

Arma, revólver, 38, trezoitão, fora tudo obra da atuação do taxi driver conjugada com a imaginação medrosa e covardo do outro motorista, aquele que o xingou quando podia e fugiu dele quando as circunstâncias mudaram.

O taxi driver gargalhou, o sinal abriu e ele seguiu em frente, se sentindo vingado. Eu, só de ouvir a história, senti o mesmo.

Nunca o caminho de casa para o trabalho pareceu tão curto.

2 comentários:

Roberta AR disse...

E, por falar em taxista em blog, você conhece o taxista blogueiro? www.taxitramas.blogspot.com vale uma visitinha de vez em quando. O Mauro é gente boa.

Muito boa a história.

ana sua mana disse...

ótima história! parece até ficção.
beijins.