terça-feira, 30 de março de 2010

Rejane, os impostos e o JN



Como o principal telejornal do país trata o tema da "justiça fiscal"? Com um mestrado na difícil matéria tributária, Rejane pesquisou e ofereceu respostas

Há certas coisas nesta vida que exigem coragem. Mamar em onça, mudar de cidade, trocar de profissão são apenas pequenos exemplos. Fazer mestrado exige coragem, disposição, flexibilidade e sobretudo uma espécie muito particular daquilo que comumente se chama de foco. Pois Rejane encarou tudo isso e um pouco mais. Pouco mais é pura maneira de dizer, porque o monstro que ela decidiu enfrentar e com o qual se viu finalmente à frente alguns dias atrás era muito mais temerário do que onça de mamilos à mostra, cidade desconhecida e profissão nova. Rejane resolveu fazer mestrado e isso já não é pouco. Pois Rejane resolveu fazer mestrado sobre matéria tributária - e eu duvido que, ao ler isso, você não tenha sentido um arrepio de resulsa teórica. Pois Rejane, não contente, resolveu fazer mestrado sobre matéria tributária analisando nada menos do que o telejornal mais visto e mais visado da televisão brasileira.

Pois ela fez, defendeu sua tese dias atrás, ganhou o título de mestre e eu vi tudo, de longe, tremendo de ansiedade, com aqueles monstros todos à minha frente - a matéria tributária, a tese, a antítese, os dilemas teóricos que ora levam para um lado ora para outro, o olhar atento da banca, o desempenho diante dos doutores e aquele momento meio angustiante e meio esquisito em que a mestranda deixa a sala, ao encerrar sua exposição de vinte (eu falei vinte!) minutos, para que os professores analisem seu trabalho e seu desempenho, a portas fechadas, só para depois dizer que, sim, a candidata foi aprovada. Dizem que é praxe, que dificilmente o orientador deixa que seu aluno ou aluna seja posto à frente da banca e, depois daqueles míseros vinte (reforço: vinte!) minutos de exposição de sua tese, seja, digamos, reprovado - essa palavrinha que tem muito mais a ver com o segundo grau, o terrível segundo grau de química e física, do que com o caráter maior da vida acadêmica em nível de pós-graduação. Não importa: todo o processo, especialmente aquele do dia da defesa da tese, foi para mim uma tortura a que me submeti, por companheirismo, com o máximo de civilidade disfarçada. Porque a minha vontade era ter um troço ali na sala praticamente vazia onde Rejane defendeu sua tese em vinte (sim, eu disse vinte!) minutos terminais.

Mas chega de falar de minha reação à prova de fogo de Rejane. O que queria dizer mesmo era da coragem dela - em oposição ao medo meu - de enfrentar um tema tão difícil, o da justiça fiscal. Que significa, antes que você caia na onda do mesmo Jornal Nacional que serviu de matéria de estudos para Rejane, a efetiva redistribuição da carga tributária conforme o nível de renda e consumo de cada camada da sociedade. Rejane analisou como o JN noticia este tema, o da justiça fiscal, e descobriu, pra começar, que para eles justiça fiscal significa outra coisa, bem diferente: menos imposto de maneira geral, porque, vocês sabem, para o JN, a Folha, o Estadão, o Globo e congêneres, imposto significa intromissão do governo na economia e só - e tudo o que mexe com o mercado é coisa do demo, primo próximo da censura e outras bestas sempre mantidas no bolso para a eventualidade de precisar serem brandidas (como em ano de eleição presidencial, por exemplo).

Mas a tese de Rejane é bem menos atentatória ao PIG do que minhas pobres postagens deste "Sopão": ela concluiu, com o distanciamento acadêmico que este tipo de pesquisa pede, que os temas tributários só entram no Jornal Nacional quando representam uma demanda bem imediata, do tipo "temporada de declaração do imposto de renda" ou "debate sobre a presença do Estado na economia". Sempre assim, ligado a algo bem factual; jamais como um assunto que pode mudar, estruturalmente, a situação da sociedade brasileira, nunca como um assunto importante a priori, do tipo que rende, por exemplo, séries de reportagens destinadas a ampliar o interesse da população por determinado tema. A conclusão de Rejane tampouco é pessimista: ela anota que é papel da sociedade, por meio de suas entidades representativa, forçar noticiosos como o JN a mudar seu enfoque do tema "tributo" - que, em outras palavras, há abertura para isso desde que a iniciativa venha de fora, já que o "mundo dos jornalistas", sobretudo o jornalista contratado da Rede Globo, é mesmo essa esfera limitada pelos interesses da empresa e muito dificilmente um repórter ou um editor vai furar esse círculo informal.

Então foi isso: Rejane furou um outro certo informal, aquele formado pela idéia de que teses de mestrado na área de comunicação têm sempre que versar sobre temas mais amenos e não podem ingressar por terrenos mais técnicos e áridos como é o da tributação. Foi aprovada, claro, mas de tudo naquele dia da defesa da tese, guardei algo em especial, dito por um dos dois professores que fez parte de sua banca - e justamente aquele que não vem da área de comunicação, mas da economia. Disse ele que a tese tinha o grande mérito de externar e explicitar esse fato real e silensioso, que é o de o tema da "justiça fiscal" praticamente não fazer parte do vocabulário do principal telejornal do país. Um silêncio sintomático, desde quando se sabe que se analisa a qualidade e as intenções de um órgão de comunicação muito mais pelo que ele não diz do que por aquilo que ele afirma.

2 comentários:

ana luiza disse...

parabéns, rejane!

Anônimo disse...

Tião fico feliz por nany ter conseguido mais essa vitoria ,lendo o seu texto lembro do grande esforço que foi para ela passar pelas entrevistas antes de ser aprovada para o mestrado ,pois ela fez a primeira entrevista com dores e a ultima operada ou seja desde o inicio ela já se mostrava uma vitoriosa tenho orgulho dessa mana.