quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O Código Cascudo


No dia em que Dan Brown descobrir Natal, duplica sua fortuna, com o perdão do palavrão, literária. O autor de best seller que ficou milionário ao estabelecer as mais malucas e divertidas conexões entre Leonardo da Vinci e Jesus Cristo precisa ser informado da existência da cidade dos Reis Magos. Porque, tanto quanto a Paris do "Código Da Vinci" e a Roma de "Anjos e Demônios", a Natal de raros romancistas também está coalhada de símbolos suspeitos. Das Quintas ao Baldo, para onde se olhe há uma estátua, um monumento, um sinal urbano assobiando ao ventinho da tarde pra disfarçar, quando na verdade contém uma mensagem secreta que algum dia, mais cedo ou mais tarde, algum professor Robert Langdon – de férias, naturalmente – vai encarar.

Duvida? Ok, vamos começar pela Coluna Capitolina. Ou você acha que tem sido produto do mero acaso a verdadeira peregrinação que este monumento de origem não muito clara tem feito pelos quatro cantos de Natal? Repare: presenteada aos potiguares por ninguém menos do que Benito Mussolini no auge do poder (o que já é, no mínimo, digno de desconfiança), a tal coluna foi instalada na esplanada do cais do porto às 7h30 do dia 8 de janeiro de 1931 (a exatidão aqui se justifica, afinal, ela pode esconder em sua numerologia oculta muitas intenções desconhecidas). De lá, foi removida para a Praça João Tibúrcio, na Cidade Alta; daí foi para a Praça Carlos Gomes; e então para o Largo Vicente de Lemos, em frente ao suspeitíssimo prédio do igualmente bandeiroso Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Tem que haver alguma coisa não revelada por trás desse deslocamento todo – talvez uma tentativa de dificultar as investigações de algum abelhudo que tenha se aproximado da grande verdade. Ninguém mais se lembra, é claro, mas o próprio motivo pelo qual ganhamos a Coluna Capitolina também já desperta uma bela linha de investigação: é que o monumento marcou a vitória da terceira travessia sobre o Atlântico, feita naturalmente por um italiano. A própria coluna foi trazida num desses voos aguardados com medo e fascínio, quando quatro esquadrilhas de hidroaviões realizou novo "raid" Roma/Natal (era assim que se chamava a façanha).

Ora, o que poderia levar aquele bando de italianos a se meter em hidroaviões precários e atravessar o oceano como quem pega um esqui-bunda em Genipabu? Na época, essas travessias eram uma verdadeira mania. Era muito "raid" para pouco rio Potengi, cujo estuário servia de pista de pouso. O que poderia justificar tamanho trânsito aéreo em tempos de tecnologia tão incipiente? Pergunte ao professor Langdon e garanto que ele arranja uma explicação. Se você lembrar, a tempo, que o estuário do Potengi vai dar nos paredões do Forte dos Reis Magos, aí é que a coisa esquenta.

Afinal de contas, quem garante que André de Albuquerque, senhor de Cunhaú e nosso herói da revolução de 1817, o homem que conseguiu por poucos dias instalar a República em Natal em pleno Brasil Colônia, morreu mesmo nos porões infectos da fortaleza de então? Ele poderia muito bem ter escapado com a ajuda de algum tapuia aborrecido com o tratamento que recebia dos portugueses. Nunca se sabe. E quando essas reviravoltas vêm à tona, não é incomum que vendam milhares de exemplares nas boas livrarias.

Quem garante que foi mesmo o rei D. José I quem mandou de presente para o povo da terra as estátuas de Gaspar, Belchior e Baltazar, aquelas da igreja de Santos Reis, no longínquo ano de 1752? E já pensou quantas mensagens cifradas poderia conter o interior das imagens assim que desembarcaram em algum pântano pré-Ribeira, naqueles tempos repletos de santinhos de pau oco? Ou você é do tipo absolutamente crédulo, daqueles que pensam que o massacre de Cunhaú não tem relação alguma com a rivalidade entre xarias e canguleiros e a apresentação de Tommy Dorsey na Parnamirim Field de uns aninhos depois? Ah, tem natalense que é cego mesmo.

Não é o que Dan Brown pensaria. Aposto que, informado apenas dessas notas esparsas, ele pegaria o primeiro charter para Natal e iria, antes mesmo de deixar as malas no hotel, bater na porta de Mr. Cascudo, ali na ladeira da Junqueira Aires – por sinal, excelente locação para a adaptação cinematográfica. Brown ou Landgon, criador ou personagem, seria recebido com desconfiança por Anália, eterna serviçal na casa do mestre Câmara Cascudo. E a muito custo, sob o olhar cuidadoso de Dhalia, franquearia a entrada de um deles ou de ambos no célebre gabinete do mestre, já ausente. E veríamos um Langdon ansioso correr para aquelas paredes onde os visitantes ilustres deixaram seus autógrafos. Porque, entre a algaravia rabiscada de tantos nomes, haveria uma mensagem secreta essencial para resolução do grande mistério natalense.

Claro que a aventura completa, segredo editorial guardado a sete chaves, ainda teria uma esticada a praias de nomes tão sugestivos como Zumbi e Exú Queimado, uma investigação com lupa nos detalhes de um painel de Newton Navarro, uma análise estruturalista nos versos de Othoniel Menezes para aquela só aparentemente inocente canção de seresteiro chamada "Praieira" e, para o professor Langdon relaxar um pouco, uma colherada de um dos doces mais típicos do sertão, o chouriço, aquele feito com sangue fresco de porco. Isso lhe diz alguma coisa?

Ainda havia muitos outros sinais para fundamentar essa argumentação, em forma de monumentos (lembra da cabeça de bronze de Kennedy, roubada sabe-se lá por quem e com que objetivos?) e de pessoas (você ainda acha que Severina, a administradora-geral do Estado, tinha passe livre nas repartições só porque era tida como doida?). Mas em primeiro lugar o limite de palavras do texto está estourando, e em segundo algum projeto de escritor pode estar lendo esse relato, prontinho para transformar tudo num romance bem prejudicado pela pressa afoita. Guardemos os trunfos. Quem sabe Nei Leandro de Castro, ao que parece um dos poucos entre nós que realmente tem prazer em ser lido, resolve encarar a epopéia?

*Publicado no Novo Jornal

2 comentários:

Daliana Cascudo disse...

Adorei o "Código Cascudo" e, tenho certeza, faria muito mais sucesso do que o "outro".
Concordo plenamente com você: Natal esconde muitos mistérios!!!

Um grande abraço e parabéns pelo texto maravilhoso.

Daliana Cascudo

you know my name. disse...

fez-me lembrar de minha cidade, rio tinto, que é cheia de mistérios também.