domingo, 4 de janeiro de 2009

A noite mágica de Sobreira


O primeiro livro de 2009 foi um legítimo Francisco Sobreira. Há trinta anos, a editora Ática publicou, no número 43 da série "Autores brasileiros", "A Noite Mágica", do poti-cearense radicado em Natal, exemplo quase único entre os batalhões armados de poetas natalenses a remar contra a maré e navegar nas brumas da prosa ficcional. Os contos de "A Noite Mágica" funcionam bem na série da Ática, editora que, por aqueles anos do final da década de 70, fazia sucesso publicando várias séries de livros didáticos e paradidáticos. Nesta última categoria se encaixa o livro de contos de Sobreira, com uma literatura que traz para a apreciação de um público ainda escolar relatos pontuados por atmosfera ligeiramente surreal e personagens marcantes embora nascidos de narrativas breves.

Os instantâneos de Sobreira em "A Noite Mágica" iluminam rapidamente pessoas e situações que revelam apenas o necessário para se fazer notar. Como o passageiro do conto que abre o livro, "A viagem", acariciando as serifas de sua solidão num ônibus onde todos dormem e a vigília se torna uma aventura à la Antonioni. Como o amigo que tenta sem sucesso descobrir a igreja onde se dará o casamento do amigo de farra e freudianamente confunde a cerimônia com um enterro. Como os homens tontos de ambiguidades que cambaleiam entre rituais iniciáticos presentes em três dos contos do livro - "Caçado", "Enquanto o diabo esfrega os olhos" e "O caçador de nostálgicos". Há também um certo corte que mistura simbolismo surreal e Allan Poe nos parágrafos de - repare na sugestão do título - "Os pombos".

Há, ainda, grafado no discurso literário do narrador Sobreira, uma certa inflexão nordestina de tempos recentes, com o emprego de expressões que, sendo regionais, não são forçadas - e conferem aos textos uma musicalidade que só o sotaque mais involuntário pode produzir. Talvez, pelas veredas da diversidade regional, esse elemento tenha sido levado em conta na hora em que a Ática incluiu o nosso amigo na série decidada a novos autores brasileiros. Para conseguir um exemplar, a esta altura, acho que só nos sebos - que são muitos aqui, além, em Brasília e em Natal. Mas, adianto, vale a pena procurar. "A Noite Mágica" é breve, delicadamente inexato, literariamente tocante - e com uma prosa puxada às esquinas dos dias bem vividos, de quem sabe espiar a vida enquanto ela passa, na forma de instantâneos tão vagos quanto reveladores.
P.S: A imagem que ilustra a postagem é um Pollock, subjetivo e sugestivo como a prosa de Sobreira.

2 comentários:

Moacy Cirne disse...

Meu caro, uma boa análise sobre o livro de Sobreira, livro esse que li na época. Sem dúvida, ele vai gostar bastante de sua crítica. Um abraço.

Francisco Sobreira disse...

E gostei mesmo. Que presente, Tião, você me dá quando 2009 ainda está de cueiro. Por sinal, que A Noite Mágica está completando 30 anos de sua publicação. Que tremenda sorte desse beradeiro de Canindé sair numa coleção onde havia nomes de peso da literatura brasileira, como, por exemplo, Clarice Lispector e Luiz Vilela. Um abraço e um excelente 2009 para você e seus familiares.