quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Ligue a tevê (2)


Depois do bricabraque visual e dramatúgico de "A Favorita", outro motivo para você se reconciliar com a tevê aberta neste início de ano é a minissérie "Maysa". Está quase acabando e, se você não viu nada até agora, é bem possível que não demonstre maior interesse. Mas, se caiu na armadilha de assistir ao primeiro capítulo, capitulou, não tem jeito. Manoel Carlos e Jaime Monjardim optaram por contar a história da cantora em fragmentos dramáticos, como aquela montagem em quebra-cabeça de filmes de diretores como Roberto Altman ("Short Cuts") e o mexicano Alejandro González-Iñarritu ("Amores Brutos" e "21 gramas"), que muito sucesso fizeram em momentos diferentes do cinema das últimas décadas. Foram muito criticados por isso - que a técnica confundiria o telespectador, jogado para lá e para cá em momentos variados da trajetória da artista.

Chego lá. Primeiro tenho que dizer que, pra mim e alguns amigos, desde o final dos anos 80 Maysa é uma referência de boa música, de talento dramático (como Elis Regina) nem um pouco esquecido nos escaninhos musicais da fossa pré-bossa nova dos anos 50. Não há redescoberta, há o prazer de assistir à história dessa mulher, pontuada por suas canções e sua voz. Por volta de 1987, a Rede Globo exibiu uma minissérie, "Anos dourados", que trazia na trilha sonora uma dessas belas canções. "Você passa por mim e não olha / como coisa que eu fosse ninguém", cantava Maysa, selando com uma espécie de embalagem sonora especial um programa de televisão que por si só já era tão bom quando a minissérie em exibição atualmente, com a sua própria historia.

Na época, costumava cantarolar essa música na redação da Tribuna do Norte, formando uma improvável dupla vocal como nossa querida Célia Freira, na época chefe de reportagem. Celinha adorava Maysa e vinha com outras peças do repertório da cantora. Comprei uma fita k7 com uma coletânea - vasta coletânea, mais de vinte faixas - de Maysa, que dividia o repertório entre a fase pré-bossa nova, a fase bossa nova, o cancioneiro internacional e outra vertente explorada pela artista. A fita se perdeu, mas ficou o gosto pela voz e pela própria figura de Maysa - desde então uma espécie de anjo avesso terminal no qual nós, mortais comuns, espelhamos nossas questiúnculas. E além do mais havia os blues de Ângela RoRo - outra figura que, além de regravar divinamente a maysiana "Demais", também trazia em si mesma as referências daquele mundo outside tão representativos do momento.

Agora, Maysa reaparece na televisão, em alta definição, em quadros tão dramáticos quanto belos, ligereiramente novelizada (mas isso é quase sempre uma qualidade e não um defeito, porque sem redundância não se faz televisão eficiente). É impossível não assistir. E os mesmos críticos que reclamam da edição fragmentada - os mesmo que reclamam do viés de novela da minissérie "A lei e o crime", em cartaz na Record e da qual se falará em outra postagem - rejeitam a técnica narrativa empregada por Manoel e Monjardim. Pois a montagem em vai-e-vem, pra mim, só fortalece o impacto de Maysa na telinha: ao mesmo tempo em que não permite que o telespectador se envolva muito com a personagem, garante um distanciamento que faz sobressaltar os demônios internos de Maysa. Com tal edição, o telespectador sempre se distancia - e o faz quando já está quase cedendo totalmente aos encantos tormentosos da personagens. Na última hora, entretanto, vem um flash back, vem o corte, vem a fusão com outra fase da vida da cantora e esse instrumento eisensteiniano faz o público dar um passo a atrás e se perguntar: que mulher foi essa?
(CONTINUA)

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