quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Spread, a minissérie


A expectativa e o noticiário em torno da queda de um ponto percentual na taxa de juros básicos da economia por parte do Banco Central parece conter todos os elementos para uma ficção televisiva daquelas. Senão, vejamos: temos um protagonista com cara de mafioso e estampa de cantor de ópera chamado Henrique Meirelles; temos em torno dele um séquito de diretores e assessores com toda a pompa shakespereana daqueles que tentam influenciar decisões e acercar-se de quem detém o poder; temos um antagonista que já vem até com nome italiano, Guido Mantega; temos as externas daquele prédio que parece um monte de caixotes negros empilhados no ar com a Esplanada dos Ministérios ao fundo; temos a crise financeira internacional como pano de fundo histórico para ninguém botar defeito – e temos, ponto máximo dos ingredientes para uma minissérie de tevê praticamente pronta, o acontecimento a portas fechadas que mais mobiliza o país periodicamente depois do Big Brother Brasil que é a reunião do Copom, o conselho que decide se os juros vão cair, subir ou continuar onde sempre estiveram.


E temos, claro, o gancho: Meirelles, depois de seis anos à frente do Banco Central, quebrando um recorde permanência entre todos os diretores da instituição, agora quer deixar o cargo para se candidatar a governador de Goiás. É o máximo de sua trajetória por si só vitoriosa antes mesmo de assumir um dos cargos mais invejados do país. Ocorre que, justo agora, quando prepara tudo para deixar a casa em ordem e começar a planejar sua campanha eleitoral, estoura uma crise financeira internacional comparada à derrocada de 1929, a mãe de todas as quebradeiras desde que o homem tem memória. E agora, ele sai ou não sai? Seu adversário, o tal de Guido, o maior inimigo das taxas de juros recordes praticadas no país – as maiores do mundo, descontada a inflação – trabalha nos bastidores para vê-lo pelas costas. Mas o presidente da República – aquela figura que vai aparecer na minissérie sim, mas sempre soberanamente de costas, sem que nunca possamos ouvir o que diz (seus diálogos e intenções sempre são revelados pelo pensamento em off do atormentado Meirelles) - deseja e precisa que ele continue no prédio dos caixotes pretos. Dilema pessoal, ingrediente emocional para prender a atenção de todos diante da tevê. Correndo por fora de tudo isso, temos a expectativa pela próxima reunião do conselho que vai, enfim, definir o futuro das taxas de juros. Dilema geral, gancho espetacular que pode dar origem a diversas subtramas.


Vejo cenas nos corredores escuros do Banco Central, com o diretor de Política Econômica conspirando com outros integrantes do conselho, naturalmente contra a queda na taxa de juros, no que incorre em procedimento ambíguo como o mundo escorregadio da política: condenando a queda, parece contribuir com os planos de Meirelles e contrariar os desejos do vilão Guido, mas, por outra e, sem que os demais integrantes do conselho saibam, na hora agá estará automaticamente prestigiado por votar igual a Meirelles que, prestes a deixar a instituição, agora sim acha que é hora de afrouxar o cinto e reduzir a Selic. Logo, esse diretor percebe que, saindo Meirelles, é a chance dele de ascender ao disputado posto – no que, imediatamente se dá conta, entrará em conflito com Guido que certamente tem outros planos para o cargo.


A porta está fechada, é o segundo dia da reunião do Copom – quem não acompanha essa novela não sabe mas a reunião dura dois dias e só no segundo sai a nova Selic - , os repórteres estão lá fora, a sonoplastia procura assinalar a tensão, enquanto, para humanizar a trama, temos cenas de um casal de pobres que melhoraram de vida tentando comprar uma geladeira a prazo se os juros forem camaradas. Corte para o interior da sala da reunião. Copom, interna, dia: Meirelles se levanta e proclama o resultado final. Corte de um ponto percentual. Close rápido dos demais integrantes do conselho, uns satisfeitos, outros abismados. Superclose por sobre os óculos redondos de Meirelles – sua expressão sugere a tal da missão cumprida. Roda a vinheta de encerramento. “Spread, a série”, é a quintessência da teledramaturgia: muda muito pouco de um episódio para o outro mas não importa – ainda assim é campeã de audiência nas redações onde há sempre uma televisão ligada à espera de notícias inesperadas.

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