quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Ligue a tevê (1)



Corra para o sofá e ligue a tevê, sem medo. Só tome cuidado para não ser atingido por um dos tiros que Patrícia-Flora dispara quando lhe batem os ventos da vilania compulsória. Se acontecer, faça como Bush: abaixe-se que o sapato - digo, a bala - passa voando e você escapa ileso. Ileso, vírgula: uma vez ligada a tevê neste início de 2009, o telespectador estará correndo sério risco de sofrer de doença similar à que acomete a grande Patrícia-Flora: televizite compulsória. Não tem tratamento nem doutor nem hospital que dê jeito. Ligou, pegou. Parece até que o velho e caquético horário nobre da antiga - antiga? - tevê aberta está de volta, com o vigor dos anos 70.

Mas, como diria a psicopata Flora Picadinho, ou Flora-Patrícia, ou Patrícia-Flora, vamos por parte. Primeiro você cai na casca de banana melô-sombria que é "A Favorita". A novela chega ao final com um ar de filme de Quentin Tarantino. Não pelo amplo uso do suspense ou pelo vasto emprego de sangue cenográfico como pode parecer à primeira vista. A analogia se deve a um outro elemento também muito usado na novela: as referências do que hoje se costuma chamar de "cultura pop" - um também vasto repertório de novos clássicos estabelecido pelo cinema, pela televisão, pela literatura ligeira e afins. Logo no primeiro capítulo, já ficavam bem claras duas dessas referências. Uma vinha do cinema - era o filme "O que terá acontecido a Baby Jane", um clássico pop sinistro, meio classe C mas com aquela elegância, em que Bette Davis torturava com sadismo evidente a irmã paralítica, Joan Crawford (veja na foto que ilustra a postagem). Se aquela dupla, naquele filme, não foi a base para Flora e Donatela, eu fecho o blogue agora mesmo. É o mesmo ponto de partida - duas irmãs que se detestam, temem uma à outra mas têm que se suportar - e a mesma inteligente manipulação narrativa que fará com que, logo adiante no filme (como aconteceu na novela) o espectador seja surpreendido com uma inversão de papéis. Quem viu o filme deve ter identificado a inspiração no início da novela - era algo tão claro quanto o fato de "A malvada", outro filme de Batte Davis, ter sido o ponto de partida para outra história recente da tevê brasileira, a novela "Celebridade".
Disse que havia outra referência clara no início de "A Favorita": essa segunda citação narrativa era mais evidente ainda, pois que vinha do próprio acervo a esta altura já clássico da própria Rede Globo. É a semelhança entre a saída de Patrícia-Flora da cadeia e o momento em que Sônia Braga deixava a penitenciária no início de "Dancing Days". Só faltava mesmo repetir a trilha sonora, com Guilherme Arantes cantando "Amanhã". Isso é manipulação de ícones, administração de clichês, gerenciamento de referências da melhor qualidade para provocar o efeito desejado - confundir o telespectador até quando for possível e, nisso, sabemos todos agora, o autor de "A Favorita" foi craque.

Mais tarde, à medida em que a novela prosseguiu, outras referências foram sendo citadas, o que só confirma essa visão da história como uma colcha de retalhos bem costurada de outros momentos da dramaturgia popular, seja no cinema ou na televisão. Patrícia, a atriz, lembrou em algum momento que a novela era um thriller - o gênero do suspense e do mistério absoluto no cinema convencional. Outro ator citou Briam de Palma como referência, lembrando a nítida inspiração dos filmes deste cineasta no climão pesado de cenas como a dos mil assassinatos cometidos por Flora-Patrícia ao longo da história. A própria Patrícia Pilar vem contando, em dezenas de entrevistas e perfis na imprensa, os elementos que ela própria colecionou para construir sua personagem, numa lista que inclui até Amy Winehouse.

(CONTINUA)

2 comentários:

Anônimo disse...

cadê o resto, sebá? ou vosmecê vai fazer suspense e só postar depois do último capítulo???

Marcya disse...
Este comentário foi removido pelo autor.