sexta-feira, 28 de novembro de 2008

"Ninguém sabe nada"


Revi estes dias em casa, com o atraso que a boa avaliação exige, o "Fahrenheit 11 de Setembro" do gordo Michael Moore. Continuei não apreciando as partes do filme em que o documentarista não resiste e constrói um discurso sobre as imagens daquele cachorro morto - como é mesmo o nome dele, acho que Bush. É verdade que na época do filme o cãozinho ainda não era visto como tão maléfico assim - ao menos não tanto quanto agora há pouco, nos estertores da campanha presidencial obamiana - mas ainda assim o palavreado de Moore passa do ponto e estraga, várias vezes, o que poderia ser um registro mudo da impotência, da empáfia e da ignorância calculada do ex-presidente norte-americano.

Mas o gordo não se agüenta e, não contente em exibir a cara atônita - humanamente atônita, por baixo do caráter fortemente panfletário do filme - de George W. ao receber a infomação sobre o segundo ataque às torres gêmeas, satura a cena com uma elocubração em off em torno do que estaria passando pela cabeça do então presidente sob aquela cara de tapado. Fica, como se diz, "over". Como Cristovam Buarque elegantemente tirando sarro de Joaquim Roriz no debate eleitoral da Globo enquanto o segundo tropeçava na pronúncia correta da palavra "catástrofe". Deu no que deu.

Lá, nos zéua, também - vocês não esqueçam. "Fahrenheit 11 de Setembro" foi exibido às vésperas da eleição que reelegeu Bush, apesar de tudo. Aqui e lá, não adiantou a crítica subir no tamanco. Passou do ponto, paga o prejuízo. Pior para todos, disso ninguém duvida. E já que caímos nessa conexão entre o caráter panfletário do filme (em vários momentos quase uma peça de campanha, o que não é uma qualidade), a soberba da intelectualidade e os embates eleitorais, vamos a um aspecto que, dessa vez, vendo o filme em casa, ganhou minha atenção.

Refiro-mo àquela mãe de família ultrapatriótica que se orgulha de mandar um filho para o Iraque ali pelo meio do filme para, já próximo ao final, reaparecer no extremo oposto, chorando a morte daquele mesmo filho e solidarizando-se com os mesmos manifestantes que a repugnavam alguns fotogramas atrás. À primeira vista, essa mulher parece aquele tipo de "personagem" que cai nas graças dos documentaristas mais apressados - aquela figura que diz tudo o que o cineasta que ouvir e fazer ouvir, que comprova com palavras as teses pré-existentes na premissa do filme, que encena, dramatiza, didatiza cada expressão e cada sentença.
Personagens assim - e quem viu o último documentário de João Moreira Salles já sabe o que eu vou dizer - são tão bons, mas tão bons, que podem botar tudo a perder. Porque discursam com tal evidência, dispõem-se para a câmara com tal desenvoltura, desfilam pelos filme com tal segurança que no final soam falsos, como se cada verdade que quisessem demonstrar parecesse perfeitinha demais, encenada além da conta.

Ao assistir ao filme pela primeira vez no cinema, foi exatamente o que senti em relação a essa mãe americana que muda de posição no doc de Michael Moore. Agora, apreciando o filme novamente, reparei especialmente numa fala da senhora, justo quando ela tenta amarrar tudo, ao discutir com uma pessoa anônima durante uma viagem à capital, Washington. Ela se revolta pelo fato de a interlocutora não entender a necessidade do protesto contra a guerra no Iraque - como ela mesma pensava lá atrás. E sai-se com esta: - Ninguém sabe de nada. Todo mundo pensa que sabe, mas ninguém sabe de nada.

É um bom resumo, um momento enfim verdadeiro daquela mulher, uma frase que sai ao fim de um processo desenrolado em frente às câmeras, tal os reality shows tão em moda. Mas contém uma autenticidade no seu diagnóstico gritado de uma pessoa que se flagra como vítima de uma manipulação. É, disparado, o melhor momento do filme. E redime os discursos de Moore, asssim como o colaboracionismo inicial de sua personagem. Ninguém sabe nada. Todo mundo pensa que sabe, mas não sabe. Inclua aí os bobalhões americanos médios que apoiaram a invasão do Iraque, os brasileiros que defenderam o golpe militar em 64 e em 68, os eleitores de Micarla de Souza em Natal, só pra ficar em três exemplos de uma longa e infindável lista.

3 comentários:

Jozi Elen Fleck disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jozi Elen Fleck disse...

OLá, Tião.
Queria muito entrar em contato com o senhor para conhecer melhor o seu trabalho textual.
Sim, sou professora e de Literatura, Produção de Texto e gramática. Moro em Joinville - Sc, mas trabalho em Rio Negro(PR) e São Bento (SC). Seu blog tem qualidade textual. O que mais me encanta é a sensibilidade e poesia que há nas suas observações a respeito dos filmes e a tudo o que o senhor comenta.
Anote aí meu endereço eletrônico: professorajozielen@yahoo.com.br e jozisantos@bomjesus.br. Aguardo retorno.
Abraços, Jozi.

Anônimo disse...

Adoro Michael Moore. Justamente pelos motivos os quais você não gosta. Gosto dessa “docomédia” que ele faz. Adoro a iconoclastia e a coragem, motivada seja pelo quê, em dizer aquilo que o mundo inteiro sabe e não diz. Adoro o jeito de bufão, que faz isso sem medo de parecer ridículo. “Tiros em Columbine” e “Sicko” são ótimos, mas “Fahrenheit 9/11” nasceu e cresceu em um momento histórico. Para sabermos se Moore vai além disso, vamos ter que esperar mais um tempo. Ao perder seu escada e alvo preferido, para onde irá apontar? Absurdos na organização política e social não faltam e Barack, o Bamba, não vai fazer milagre de uma hora para outra. Vejamos como ele tratará a crise econômica durante a transição Bushinho-Obama, tema de seu próximo filme. Eu já estou louco para conferir o resultado. Pode ser que minha admiração sofra transformações. Não se pode levá-lo a sério. O CQC faz jornalismo? Talvez não, mas obtém mais resultados que muitas matérias sociais ditas sérias que, quando muito, dão prêmios a quem as fez e nenhum benefício trazem aos que apenas foram usados como personagens. Na pior das hipóteses, Moore, CQC e afins são males necessários. Adoro gente que não se leva a sério. (PS: aproveita e ajeita meu nome ali ao lado. È Fortunato, in italiano, per favore)