sábado, 2 de julho de 2011

Meio dia lá fora


A qualquer hora do dia tem alguém no twitter embevecido com o mais recente Woody Allen, “Meia Noite em Paris”. Parece que a pessoa chega do cinema meio atônita diante de uma revelação que, embora digna da palavra vem embalada em algo comum como papel de pão, algo ordinário como a vida normal, o que só contribui para tornar ainda mais acachapante o poder daquele alumbramento que o filme proporciona. Quer dizer: “Meia Noite em Paris” é extraordinário justamente por pinçar o encanto pela vida no que a vida tem de mais rotineiro – ainda que se esteja falando de uma história que se passa numa das cidades mais fascinantes (e por isso mesmo, menos comuns) do mundo.

Mas não era nada disso o que queria dizer; ou por outra – é aí que mora a contradição que muitos fãs esbaforidos de “Meia Noite em Paris” não conseguem enxergar, ao menos a se julgar a maneira como alguns deles despejam essa profissão de fé no filme quando saem do cinema direto para o twitter.

O comentário tuitado que me chamou atenção dizia mais ou menos o seguinte: “É duro sair do cinema depois de ver o filme e voltar para a vida real”. Ora, quem pensa assim ficou tão encantado enquanto o filme durou que não percebeu a extensão dele fora da tela. Ou por outra: divertiu-se com o filme, julgou-se à altura dos seus mais poéticos devaneios, mas de fato não entendeu foi nada. Pois se o canto entoado no novo Woody Allen é justamente a capacidade, incrustada em cada uma das pessoas socadas no escurinho do cinema, de, encerrada a sessão, entender que o encanto disseminado na história na tela só tem validade se for exercitado, tão poeticamente quanto, aqui fora, depois que o cidadão deixa o cinema, o shopping, a proteção climatizada, e encarar a rua propriamente dita.

O que “Meia Noite em Paris” afirma categoricamente, daquela maneira singelamente nostálgica e filosoficamente prática, é que a vida é bela, sim – tudo é uma questão de onde você coloca seu posto de observação. E é bela em qualquer época, por mais sombrios que sejam certos períodos vividos pela humanidade. Sempre vai haver um recanto onde a visão entusiasmada das manifestações da vida vai estar presente, seja na forma dos grupos literários e boêmios que o filme mostra ou de outra maneira. E se a pessoa vê o filme e sai da sessão lamentando a realidade para a qual terá de voltar está provando por a mais b a limitação sensitiva de que é portadora. Ainda que seja uma pessoa Classe A, ou B, como é o caso da autora do comentário que vi no twitter, a artista plástica Pinky Wayner, filha de Danusa Leão.

E encerro a digressão lembrando as voltas que o mundo dá, quando a gente constata que Woody Allen, o mais esnobe embora divertido cineasta do grande mundo intelectual novaiorquino, hoje se comunica melhor com a Classe C brasileira, esta que não para de ascender, do que com seu público blasé habitual em qualquer parte do mundo: pois quem, senão o público Classe C, vai partilhar melhor daquele entusiasmo indiferente à “realidade” de que o filme fala?

Entusiasmo – seja no pólo extremo do riso encantado ou no outro do choro emocionado, seja no encontro ou na despedida – é, definitivamente, algo que não combina com o modo de ser das classes A e B. Para eles, entusiasmo não pega bem, é brega, chama atenção demais. Para a Classe C, entusiasmo é tudo: quem esperou anos para ter acesso a um serviço inalcançável ou a um bem distante na gôndola do consumo sabe bem o que é desfrutar de um sentimento novo, roer até o osso sem olhar para os lados a nova refeição de sensações que a vida lhe oferece. Independente da época, não importa a censura social de quem sempre teve tudo à mão e por isso se tornou incapaz de enxergar o que quer que seja – mesmo Paris, a extraordinária cidade onde o ordinário ganha uma mão de tinta nova pelas mãos do novo Woody Allen.

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