segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Trabalho infantil
Que tem muita criança sofrendo neste mundo qualquer um sabe. Mas existe uma categoria de criança sofredora que não figura nos habituais catálogos de misérias, como a fome, os maus tratos, o trabalho infantil. São aqueles pobres meninos açoitados pelo excesso de admiração dos seus pais.
Dei-me conta deles por acaso, agora no final de semana, durante um rotineiro passeio até o parque infantil Ana Lídia, que fica bem no centrão de Brasília, dentro do por essa época verdejante Parque da Cidade (este aí da foto acima). Enquanto Cecília e Bernardo corriam a valer – ainda se fala “correr a valer”? – entre brinquedos simples, gratuitos e coletivos que toda criança deveria aproveitar pelo menos de vez em quando, reparo num pobre garotinho todo arrumado (mas com algum despojamento bem calculado como é comum hoje em dia), perseguido por quatro adultos incansáveis na labuta bem pouco infantil de preparar o que deve ser um daqueles books de fotografia.
Dois casais, do que presumi ser um deles formado por dois fotógrafos profissionais com suas câmeras atadas aos pescoços, suas roupas bem produzidas demais para quem vai a um parque de diversão ao ar livre numa manhã chuvosa de sábado. Os outros dois pareciam ser os pais do menino, que se chamava Pedro. Um nome de uma coloquialidade falsa como a manhã daquele pobre menino (nada a ver com seu Pedro aí, viu, Nossa Mana!). E aquela que parecia ser a mãe do garoto, que por sua vez devia ter seus cinco anos, igual a Cecília, também estava equipada com uma máquina fotográfica profissional. Então eram três câmeras apontadas permanentemente para o coitado do menino.
E não havia lugar para onde Pedro fosse, canto para onde olhasse, ar que respirasse que pudesse escapar da fúria fotográfica dos adultos ao seu redor. Bandos de meninos e meninas brincando ao léu ali ao lado, às vezes até “atrapalhando” a longa sessão de fotos de Pedro, e nem assim os adultos se sensibilizavam. Não deixaram Pedro brincar nem um pouquinho – e nem Pedro pediu, como eu esperava que fizesse. Desconfio até que, a esta altura, tão acostumado a ser modelo para um book fotográfico, o pobre Pedro já tenha se conformado, tenha pedido a noção do que é brincar sem preocupações, entregando-se triste e mudo à agenda que o mundo adulto para ele programou.
E tome ordens: “Pedro, vira pra cá”, “Pedro, olha pelo buraco do brinquedo”, “Pedro, põe só a cabecinha do lado do tronco da árvore”... Quatro adultos e nenhum se tocou de que, deixado na espontaneidade da brincadeira sem marcações fotográficas, Pedro seria um modelo bem melhor para as fotos em produção. Era só largar o menino em paz e segui-lo, com a sensibilidade de disparar na hora certa. Mas, não. Pelo jeito, profissional ali não eram os fotógrafos, mas o pobre menino – e só de escrever isso, já me perguntou se não se trata mesmo de uma dessas crianças que trabalham como modelo desde pequenininhos...
O certo é que não ficou tronco de árvore em que o garoto não tenha se escorado com pose inteligente para tirar retrato. Até no balanço, o inocente e clássico balanço infantil, não deixaram Pedro brincar – e Pedro nem reclamou, o que me soa ainda mais estranho. Vejam vocês: o pai (devia ser o pai, não garanto) botou o menino na cadeirinha, ergueu o balanço até o ponto mais alto que conseguiu e... passou a balançar o filho como faço eu com Bernardo ou qualquer pai com seu filho? Nada disso: o cara ficou parado, suspendendo o balanço com Pedro lá em cima, como quem brinca de “estauta” (como diz Bernardo). Era só mais uma pose pra tropa de fotógrafos. Batido o clic, ele apenas voltou a cadeirinha para a posição normal e esperou Pedro sair, sem balançar nem uma vezinha.
E Pedro, o modelo mirim, seguiu como um boi domesticado para mais uma pose no troco de mais uma árvore.
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2 comentários:
tem razão, sebá: pobre pedro (esse, daí).
Ai, que saudade das máquinas com filmes de rolo, dos adultos que só guardavam a memória fotográfica na cuca - ainda se fala "cuca"? - e dos meninos despojados de verdade!...
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