segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
O último mistério do Egito
No caso do Egito, o que mais intriga é o instante definidor daquela explosão. Como é que durante trinta anos vigorou, com a conformidade sólida e imóvel das pirâmides, o silêncio e as cabeças baixas e, assim, em meros 18 dias, no rastilho de um alvoroço em terras vizinhas, tudo ganha uma pressão interna tal que não há outra possibilidade de alívio que não seja o arrancar as cascas das feridas e dar vazão à secreção contida? Em que momento, com que víeis, em meio a qual substância humana e social aquela pasta de obediência se liquefaz e cessa seus efeitos, suspendendo a dormência e incrementando a dor coletiva a ponto de colocar tudo – nem tudo, é verdade, mas o essencial – abaixo?
Numa fotografia de uma edição dominical de jornal de dias atrás, lá estava sorridente na sacada do apartamento do hotel onde mora no Cairo o célebre ator Omar Sharif, um dos egípcios mais conhecidos do mundo ao lado de Cleópatra e do agora debandado Hosni Mubarak. O que ele estava dizendo no jornal? Apoiando as manifestações, defendendo a democracia na terra dos faraós. Muito bem, elogiável – mas lendo aquilo fiquei me perguntando onde estava o Dr. Jivago durante todas essas três décadas...
Mas com certeza não é a adesão da celebridade – elas que aqui e ali aproveitam esses momentos definidores da aventura humana para reafirmar suas presenças no planeta esquecido – que introduziu com astúcia e perícia o espinho no tumor. Quem há de tê-lo feito, em que circunstância especial dentro da situação maior a ponto de solapar aquela ordem que durante três décadas tão pouco incomodou a mesma imprensa ocidental pró-EUA que agora não para de se ajoelhar aos pés dessa rebelião sem rosto claro e definido?
Quem ou o quê – e como, e quando – deu-se o tranco definitivo, o sinal tão estranhamente codificado que fez dizer a todos que o cabo de força estava ganho? Como se chega a ele, eu me pergunto. E sei que há gente se colocando diante da indagação inversa – como é mesmo se que anula este mesmo, feroz, imbatível, tsunâmico impulso modificador? Perguntas e lições emanadas do Egito que a gente imaginava só haver nos velhos livros colegiais de História Geral.
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