Interrogatório policial perde. Ou você nunca foi a um laboratório para fazer aqueles exames que só aos olhos dos médicos são considerados "de rotina"? Ou será que eu é que nunca os faço - e me impressiono diante do ritual que os antecede. Sem mais próclises, vamos ao caso. Hoje acordei cedo para bater meu ponto no Sabin mais próximo, como quem é convocado para prestar o serviço militar. Aquele negócio de acordar cedo, manejar pipetas e recipientes na estranha atividade de coletar urina - o segundo jato, lembre-se! - e finalmente pegar minha senha e aguardar o atendimento. Eu disse serviço militar? Pois queria dizer interrogatório policial, porque para quem não é do ramo - aquela ampla categoria que foge dos médicos na qual eu me incluo - tudo isso tem um quê de investigação sobre um cidadão acima de qualquer suspeita: eu mesmo, esse valoroso espécime humano portador de uma saúde de ferro, até segunda ordem ou terceiro diagnóstico.
O constrangimento do suspeito começa diante daquele totem onde se retira a senha. Você já fez isso tantas outras vezes mas sempre se interroga: senha normal, preferencial, retorno, urgência, categoria hipocondríaco envergonhado, consumidor de plano de saúde (que precisa justificar o dinheiro empregado nem que seja vendo um clínico geral recém-formado) ou apenas checagem rápida? Como de longe todos somos normais, vamos nessa - só para, no instante seguinte, descobrir, como esse pessoal que adora reclamar do politicamente correto, que o normal é o último a ser chamado. Normal, ora. Toda essa indecisão só para saber, uma vez diante da mocinha de plástico higienizada até a última dobrinha, que devia ter pego a senha de "retorno" -claro, que anda mais rápido, a tempo de o xixi ali naquela pipetinha que trouxe de casa não perder a validade de 60 minutos, o que me obrigaria a nova tarefa estranha de manejar recipientes para coletar o dito cujo ("segundo jato, lembre-se").
Começa o interrogatório:
- O senhor toma algum remédio controlado? Não, minha filha, eu sou o descontrole em pesssoa.
- O senhor tem algum tipo de infecção urinária? Sinto muito, sofro apenas de um tipo esquisito de infecção intelectual, mas já me disseram que tem cura.
- A que horas o senhor jantou ontem? Juro que não consultei o relógio, mas também garanto que cumpri o jejum de oito horas.
- Doze horas...
- Não. Oito horas. Foi o que a sua colega me orientou ontem quanto estive aqui.
Pronto, por um momento vi todo o meu tormento de acordar com os galos inexistentes do Sudoeste dar em nada. E o pior: ter de repetir tudo de hoje pra amanhã. Mas eram oito horas de jejum mesmo, de maneira que só precisei aguardar mais um pouco na segunda fila, a dos pré-atendidos, para passar à etapa crucial do processo investigatório: o crime propriamente dito, que é dar o sangue para o exame semiassassino consumar suas nefastas intenções, digo, suas análises.
Falta agora receber o resultado e procurar o delegado-chefe, digo o cardiologista que vai examinar tudo e me submeter a outra bateria de perguntas, inquirições, levantamento minuncioso de suspeitas sobre a saúde deste pobre diabo.
E então, finalmente, poderei - se tudo der certo e eu for absolvido das desconfianças, digo, aprovado nos exames - entregar meu rosto exausto ao cirurgião que vai me arrancar aquele sinal logo abaixo do olho direito, que surgiu do nada e cresceu como uma sombra de filme noir. Sinal que tanto me incomoda e está, por sua vez, coalhado de suspeitas de ser alguma coisa além do que aparenta. O mistério policial continua algumas postagens mais tarde, vocês aguardem.
Um comentário:
não há de ser nada, o seu sinal suspeito. boa sorte, dê notícias.
beijins.
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