sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Teste seu grau de pureza eleitoral


Testes em jornais e revistas costumam ser pouco mais do que picaretagens inócuas, embora muitas vezes soem divertidos. Não é o caso deste aqui que, diversão à parte, pretende ser muito sério. É uma série de perguntas e respostas que surge da necessidade, cada vez mais premente, de o cidadão se enquadrar no vale tudo que virou o espectro político partidário nestas eleições. Nunca antes na história deste estado bacuraus pareçam tão araras e bicudos soaram tão terceira via, seja lá o que isso quer dizer.

Enfim, atendendo a pedidos de muita gente que está mais perdida que voto de papel em tempos de urna eletrônica, segue o teste. Pense bem antes de marcar um "x" em cada questão e descubra se você é bicudo, foi bacurau ou será arara. Veja finalmente se você se identifica com a direita envergonhada ou com a esquerda confusa. Saiba de uma vez por todas se você, mesmo não tendo admitido ainda nem pra você mesmo, é dilmista de última hora, lulista por interesse econômico inconfessável (porque, apesar da popularidade do cara, ainda pega muito mal ser lulista em certos ambientes), serrista do tipo que chora ao lembrar do pai verdureiro ou agripinista do tipo perco o discurso mas não abaixo a cabeça. Às questões:

O candidato(a) a deputado em campanha para se reeleger está em passeata no seu bairro. Para diante da sua casa, estende a mão e lhe pede o voto. Você...
A – Engole em seco, esquece o discurso político-moral dos últimos anos na tevê e cumprimenta o candidato(a) pelo belo trabalho em defesa da ética pública realizado por ele(a) nos últimos quatro anos, seja lá o que ele(a) tenha feito (ou não);
B – Bota o candidato pra correr debaixo de desaforos que aprendeu no Jornal Nacional do tipo ficha-suja etc etc;
C – Cobra algum pra não falar mal dele no blogue que pilota no quartinho dos fundos;
D – Apresenta o valor monetário do seu voto – ou do seu “apoio” – e abre espaço para negociação;
E – Nenhuma das anteriores;
F – Todas as anteriores.

O adversário daquela candidata a presidente da República a acusa, por meio de outras pessoas – e também em jornais e revistas, pra dar um tchan na denúncia – de ter sido “terrorista” na época dos governos ditatoriais. Você...
A – Assina embaixo, começa imediatamente um discurso sobre os horrores de Cuba e, ato contínuo, corre pra olhar debaixo da cama pra ver se tem algum comunista vivendo lá clandestinamente, há umas duas décadas, sem que ninguém da família tenha se dado conta;
B – Analisa, assim bem por alto, a biografia do autor da acusação, pergunta-se onde ele estava no mesmo período, indaga-se sobre qual o real interesse de quem faz do medo – não se sabe medo do quê – um fator de decisão ou indecisão eleitoral;
C – Lembra da injustiça póstuma que aquela acusação representa diante de tantos brasileiros que morreram nos porões dos governos ditatoriais e que, desaparecidos, não podem dizer uma palavra sequer em defesa da candidata em questão, quanto menos deles mesmos. E considera que, antes de tudo, isso é uma covardia;
D – Preocupa-se com o assunto por breves e exatos dois minutos, justo o tempo que tem entre engolir o cafezinho matinal, sair de casa correndo e pegar o ônibus para aquele emprego recém-conquistado;
E – Nenhuma das anteriores;
F – Todas as anteriores.

No palanque armado no seu bairro, a noite é de festa. Comício grande, como nos velhos tempos. Antigos adversários abraçadinhos como novos namorados. Diante deste espetáculo de conciliação desinteressada, você...

A – Toma um goró que é pra ter certeza de que está sóbrio e não sendo vítima de um surto de ilusionismo político que provoca vertigens e miragens;
B – Pensa no quanto é bonita a união de todas as correntes e o quanto isso pode contribuir para o fim do aquecimento do planeta;
C – Encomenda à costureira uma bandeira feita de retalhos dos diversos candidatos, partidos e correntes, de maneira que haja pano suficiente para que você esteja coberto em qualquer situação – ainda que, no final, o lábaro tremulante pareça tão indefinido quanto uma página de classificados no jornal;
D – Encomenda a um matemático amigo seu um jeito de conciliar, no mesmo voto, a preferência por linhas políticas diversas e em alguns casos até opostas, embora o discurso dos candidatos diga o contrário. E não esquece de pedir a um programador também amigo uma proteção qualquer para que a urna eletrônica não dê pau diante de um voto politicamente tão absurdo.
E – Nenhuma das anteriores
F – Todas as anteriores

A diferença entre este teste e os demais que fazem a festa dos leitores de revistas de entretenimento é o fato de que aqui não adianta virar o jornal de cabeça pra baixo. Porque, pra começar, não temos as respostas prontas: você, eleitor maior de idade, é que vai ter de quebrar a cabeça para avaliar o quanto a veemência de suas próprias respostas desvenda – ou por outra, esconde – o grau de amadorismo ou amadurecimento política da sua pessoa. A julgar pelos resultados eleitorais mais recentes na capital e no estado, anda bem crítico este indicador. Mas sossegue: sempre há um jeito de ajustá-lo a cada quatro anos e, assim, invalidar o serviço mal feito na eleição anterior. O teste pode ajudá-lo. Basta você considerar menos a brincadeira que ele parece ser e mais a seriedade que ele oculta sob cada uma das questões.

*Publicado no Novo Jornal (Natal-RN)

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