segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Roque Santeiro, o retorno


O ano era 1985, Sarney reinava sobre um cenário de greves, não havia perspectiva alguma no horizonte dos brasileiros e o jeito era, toda noite, ligar a tevê pra se divertir diante de Roque Santeiro – a novela. Pois não é que bem mais de duas décadas depois as organizações Globo – aquelas que a gente, vamos admitir, ama e odeia às vezes até ao mesmo tempo, e com bons motivos para as duas atitudes – nos dá de presente a volta das aventuras e desventuras do país de Asa Branca?

Assistir à caixa com 16 DVDs que compactam mas não tiram a graça da novela de Dias Gomes e Aguinaldo Silva é como realizar uma experiência política com você mesmo, diante da nova tevê de tela fininha, bem diferente daquelas em que viu a versão original. Porque enquanto a narrativa, reedição necessária à parte, permanece a mesma na tevê, o país em volta – que a novela, seus autores e realizadores souberam traduzir como ninguém – mudou da água pro vinho, pra ficar na singeleza do ditado popular. E o contraste, provocado pelo efeito do tempo, é o que dá sentido àquela experiência.

Em resumo: assistir a Roque Santeiro em DVD, além de bastante divertido e absolutamente nostálgico, é uma experiência de educação democrática e, já que ninguém é de ferro, de alívio mesmo para um país inteiro – ou ao menos a parte dele que já se entendia por gente nos idos de 85 e continua aqui, na lida, neste finalzinho de era Lula. Porque não há como o espectador não estabelecer seus paralelos entre as topadas econômicas e políticas do Brasil errático de 1985 e os caminhos que o país experimenta hoje, com um mínimo de desenvolvimento e distribuição de renda sem malabarismos arriscados.

É de dar felicidade social a contemplação desta nova versão da novela e o contraste que ela estabelece entre o Brasil de seu tempo e o atual. Sim, eu sei que este sentimento, felicidade, costuma ser somente associado a uma pessoa ou no máximo a uma família, ainda assim excluindo aquele tio chato que estraga os almoços dominicais, mas para construir e viabilizar um país é preciso socializar mais a idéia de felicidade, ora.

Se você não lembra bem da novela – acho difícil, caso tenha mais de 30 anos – só preciso relembrar que a Asa Branca onde se passava a história, com seu coronel empedernido, sua viúva aperuada e seu mito religioso completamente falso, entre outras figuras tão emblemáticas de certa brasilidade era uma representação em escala menor do país. Na época, muito se especulou sobre quais os motivos de a novela ter feito tanto sucesso, parado o país diante da tela, essas coisas.

Revendo o programa em DVD, você é impactado por uma enorme quantidade de respostas possíveis para essa pergunta: o apelo da dramaturgia pura, baseada na peça “O berço do herói”, de Dias Gomes, que coloca em questão um mito falso que pode desmascarar uma cidade inteira, em conexões que passam de personagem pra personagem, como uma usina em ebulição de suspense, possibilidades e viradas; ou a performance do elenco como jamais se viu em tamanha sintonia, capaz de se expressar tantos nos gritos e bordões mais grotescos (porém, divertidos) quando nos olhares mais sutis; ou no fato, absolutamente captado pelo público de então, de tudo aquilo ser uma imitação da bagunça que era um Brasil a tropeçar, aos trancos e barrancos, na luta para reencontrar um mínimo de cidadania institucionalizada depois de anos de ditadura militar; ou ainda o humor brasileiro puro e simples, que avacalhava cada pessoa e cada situação, dando à novela inteira um tom de farsa que divertia tanto quando fazia pensar; ou tudo isso junto.

É botar o disquinho do DVD pra tocar e se divertir com o que fomos. Não ter medo de admitir que há um Sinhozinho Malta brega e deslumbrado, ou uma Viúva Porcina oportunista e espalhafatosa dentro de cada um de nós, assim como um Roque Santeiro não menos esperto e egoísta, embora todos e cada um desejando algo que, em dado momento, é expressado em palavras por outra personagem, a Matilde de Yoná Magalhães:

- No fundo, o que todo mundo quer é que Asa Branca cresça.

Se você pensa que eu inventei essa frase para conseguir estabelecer melhor aqui uma conexão entre o Brasil de Asa Branca e o país da era Lula, tá engano. A frase está lá, no disco 3, límpida, clara e profética como o finado Dias Gomes e o ressentido Aguinaldo Silva jamais imaginaram que poderia se realizar, em futuro distante, mas nem tanto.

Roque Santeiro, o personagem, podia ser um falso mito, mas Roque Santeiro, a novela, vista hoje, revela-se um farol indicando o que desejava o povo brasileiro já naquela época, ou desde sempre. Talvez a gente só não estivesse pronto ainda pra ver e realizar.

2 comentários:

ana sua mana disse...

estou louca pra rever, sebá.
beijins.

Roberta AR disse...

Acho que este era o único DVD que esperava sair (neste tempos de homens de perna de pau na rede). Tenho que ir atrás já.